Opinião | 07-05-2025 07:00

As notícias do fim do mundo foram manifestamente exageradas e os russos não nos levaram o stock de bagaceira

Emails do outro mundo

Inapagável Manuel Serra d’Aire

Inapagável Manuel Serra d’Aire
Comecei a manuscrever-te este texto à média luz porque, de repente, o país ficou sem energia, assim a modos do que aconteceu há uns bons anos quando uma cegonha, suponho que inadvertidamente, ali para as bandas de Rio Maior, deixou meio país sem electricidade. As cegonhas já tinham fama de trazer bebés de Paris e, com esse episódio, acrescentaram ao currículo a habilidade não só de dar à luz, mas também de a apagar quando lhes dá na real gana.
Desta vez as cegonhas não tiveram as costas largas mas não falta por onde escolher para atribuir a autoria da façanha. Os mais fatalistas vaticinaram que era desta que os russos vinham por aí abaixo comer criancinhas ao pequeno-almoço e esgotar o nosso stock de aguardente bagaceira e uísque de Sacavém. Outros acreditaram que se tratava de um golpe dos saudosistas que andaram no 25 de Abril pelo centro de Lisboa de braço direito no ar e a espalhar pancada, para reviverem, ainda que por breves horas, esses tempos em que não havia sequer televisão e em que tudo era a preto e branco. Outros ainda suspeitaram que se tratava do há muito anunciado fim do mundo, embora com 25 anos de atraso - o que aliás não seria de espantar, dado que as coisas em Portugal levam sempre o seu tempo e nunca estão concretizadas no prazo previsto.
Não tenho uma teoria predilecta sobre este apagão apocalíptico. Aliás, sou um zero à esquerda no que toca a electricidade e energia no geral, limitando-se os meus conhecimentos a mudar uma lâmpada, activar o interruptor e a não enfiar os dedos nas tomadas. Mas se é para entrar no domínio das teorias da conspiração, prefiro pensar que se tratou de mais uma recriação histórica em que o nosso país é pródigo. E desta vez tendo como palco Portugal inteiro, para que ninguém tenha que calcorrear quilómetros com o carro apinhado de cachopos e sogras para ir a cascos de rolha ver imitadores de reis e rainhas, verdugos, rameiras e bobos da corte, ao som daquela música medieval que me provoca voltas às tripas e me faz dar graças a Deus por não ter vivido nesses tempos.
Se assim foi, está de parabéns a desconhecida e iluminada organização que nos pôs durante horas sem combustíveis, sem multibanco, sem café de máquina, Internet e outras modernices do demónio, a que a Santa Inquisição trataria da saúde num ápice se ainda por cá andasse. Confesso que gostei de viver por momentos dentro de um episódio do “Conta-me como foi” e aplaudo também o contributo que o evento deu à economia local, permitindo uma renovação drástica dos stocks de água engarrafada, papel higiénico, latas de atum e pilhas para os rádios, entre outras utilidades para usar em casos extremos, como o da iminente chegada do fim do mundo. Infelizmente, o fenómeno começou a ser revertido ao princípio da noite, não permitindo também retirar grandes conclusões demográficas, daqui a nove meses, sobre uma noite em Portugal sem TV e Internet.
Saudações proletárias do Serafim das Neves

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