Opinião | 12-05-2025 17:43

O apagão: um jornalista a escrever sobre o que desconhece

A. Mota Redol*

Nas redes com grande componente de eólicas e solares também têm de existir equipamentos que compensem “disparos” ou instabilidades. Devido à juventude destas redes ainda não se apurou inteiramente como obviar os apagões, mas sabe-se que baterias, bombagem e geradores e compensadores síncronos são necessários. O que se sabe é que as empresas têm evitado os investimentos. Agora, as energias eólica e solar não podem ser culpadas dessa falta de investimento.

O jornalista independente Wessie du Loit, do Reino Unido, escreveu um texto sobre o apagão de energia eléctrica que atingiu Espanha e Portugal.

Este jornalista escreve sobre os mais diversos temas e atreveu-se a escrever sobre um que exige um grande conhecimento técnico que ele não tem: o funcionamento e a estabilidade das redes eléctricas, redes que são extremamente sensíveis e passíveis de frequentes avarias. Em Portugal existem meia dúzia de técnicos que conhecem a fundo o assunto e trabalham com modelos matemáticos de simulação que permitem analisar e prever o comportamento dessas redes.

Assistimos, também, nos nossos meio de comunicação social a comentadores ignorantes permitindo-se dar opiniões sobre aquilo que ainda não está apurado e que os técnicos habilitados prevêem que demore bastante tempo, dada a complexidade da rede luso-espanhola com interligação com a Europa e a enorme existência de equipamentos de diversos tipos.

Wessie du Toit recorre então a uma série de documentos e informações anteriores ao apagão, e referindo factos desconexos aos quais não sabe dar consistência e coerência.

Por exemplo, culpa as energias renováveis pela situação, desconhecendo as suas características técnicas e comportamentos e desconhecendo o tipo de equipamentos que são complementares para o equilíbrio das redes com grande participação de eólicas e solares, ignorando que outras renováveis como as hidroeléctricas não têm o mesmo tipo de problemas. Refere as baterias como equipamentos ineficazes, ignorando a existência da bombagem, dos geradores e compensadores síncronos.

Também afirma que o recurso a renováveis apenas se destina a «estatísticas citáveis». Sabemos bem qual a razão da preferência por estas energias em todo o mundo e seu crescimento contínuo.

Os que defendem o ressuscitar da opção nuclear é que aproveitam a situação para fazerem a sua propaganda.

Diz um disparate, como um excesso de produção poder provocar um apagão.

Assegura que encerrar centrais termoeléctricas clássicas e nucleares é um erro, esquecendo que as primeiras são geradoras de CO2 e as segundas de radiações ionizantes, quando não dão azo a grandes acidentes, e que devem desaparecer. E que são centrais já muito velhas, que há muito ultrapassaram o prazo de validade, e que as empresas não querem fechar porque o seu desmantelamento é demorado e caríssimo. Especialmente as nucleares.

Também estas centrais exigem equipamento complementar para que as redes sejam estáveis e não haja apagões: designado como reserva girante. Isto é, centrais em estado de alerta com uma potência equivalente, pelo menos, ao grupo termoeléctrico de maior potência. Assim, por exemplo, numa rede onde haja grupos nucleares com 1.000 MW, tem de existir um grupo da mesma potência que não está a produzir, mas está numa situação de entrar na rede em poucos segundos para compensar uma avaria ou um “disparo” (grupo de repente desligado da rede devido a uma instabilidade).

Desconhece que essas centrais antigas têm taxas de avaria elevadas, disparam facilmente e que no caso das nucleares francesas, por exemplo, nos últimos dois verões tiveram de parar cerca de metade delas, obrigando a empresa (a EDF) a importar energia de outros países europeus.

Nas redes com grande componente de eólicas e solares também têm de existir equipamentos que compensem “disparos” ou instabilidades. Devido à juventude destas redes ainda não se apurou inteiramente como obviar os apagões, mas sabe-se que baterias, bombagem e geradores e compensadores síncronos são necessários. O que se sabe, e vários técnicos têm alertado para o problema, é que as empresas têm evitado os investimentos, talvez considerando que a probabilidade de um apagão geral ou parcial é muito pequena. Agora, as energias eólica e solar não podem ser culpadas dessa falta de investimento.

Por outro lado, afirma que são necessárias «centenas de biliões para descarbonizar».

Ora esquece o que foi referido atrás que as centrais velhas têm de ser encerradas, que o custo de 1.000 MW nuclear novo custa entre 12 e 20 mil milhões de euros, o solar 758 milhões de dólares (valor médio mundial) e o eólico terrestre 1.160 milhões (valor médio mundial), 1583 na Europa. Além disso, o custo total do kWh nuclear novo é 2 a 3 vezes maior do que a média das renováveis (a solar está a produzir na Península Ibérica a um custo cada vez mais baixo).

Outro disparate é defender que a interligação internacional pode provocar apagões. No caso presente isso aconteceu, mas quantos apagões foram evitados pela interligação? Esta, além de permitir as trocas de energia quando é economicamente conveniente, com vantagens de ambas as partes, permite uma rede socorrer outra quando nesta houver uma situação de insuficiência de produção face ao consumo. Aconteceu muitas vezes entre Portugal e Espanha e entre outros países. Recordar o caso referido atrás das centrais nucleares francesas.

Muitos apagões verificados noutros países, nomeadamente nos EUA, resultaram de existirem redes isoladas.

Por isso, é necessária uma interligação cada vez maior na União Europeia, havendo dificuldades entre Espanha e França, porque este país receia a concorrência da energia mais barata produzida na Península Ibérica pelas renováveis.

Finalmente, será importante recordar apagões em Portugal e noutros países quando ainda não havia centrais eólicas e solares:

Em Portugal:

1) Em 1985, um apagão que teve origem numa central termoeléctrica, seguido de disparo da interligação com Espanha, quando não havia energia eólica ou solar.

2) Em 2000, o curto-circuito provocado por uma cegonha numa linha,

seguido da falha de um equipamento numa sub-estação; muito pouca energia eólica ou solar; apenas atingiu o Sul do país.

3) Em 2021, provocado pelo choque de um hidroavião com uma linha em França; transmitiu-se a parte da rede portuguesa.

Nos EUA:

1) Em 1965, EUA e Canadá, quando não havia energia eólica ou solar.

2) Em 13 e 14 de Junho de 1977, em Nova Iorque, quando não havia energia eólica ou solar.

3) Em 14 de Agosto de 2003, de Nova Iorque até Chicago e partes do Canadá, quando suponho que não havia eólica ou solar.

No Brasil: muito frequente, sem que houvesse eólica ou solar.

Etc.Etc.

(Nota: o autor deste texto, reformado, foi técnico da EDP e da REN no domínio do planeamento de novos centros produtores, tendo algum conhecimento da complexa problemática das redes eléctricas. Para escrever o presente texto consultou alguns dos ex-colegas daquelas empresas especialistas em análise e exploração de redes).

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