Opinião | 01-06-2025 09:04

Texto colectivo de ambientalistas: verdades sobre a nuclear e os imaginários S.M.R.s

António Redol é um dos 18 subscritores deste artigo

O nuclear voltou à ordem do dia. O MIRANTE publica um texto colectivo de ambientalistas cujas 18 assinaturas surgem no final do texto. O artigo foi publicado originalmente em Março na revista online 7 Margens.

Nos últimos tempos os promotores da nuclear e os seus afiliados têm promovido muitas estórias sobre os S.M.R.s (Small Modular Reactors), pequenos reactores modulares. Mas esse conceito é uma fraude para criar a impressão que há algo de novo na indústria nuclear. Estes são indiscerníveis dos reactores dos anos 50 e 60 muito antes desse conceito ser usado. Não existem S.M.R.s nem sequer como conceito utilizável. Na actualidade há cerca de 70 desenhos pelo mundo, nenhum em construção e a profusão só aumenta a dificuldade prática.
Por outro lado, a tecnologia nuclear tem cerca de 80 anos, e continua a não ser capaz de inovar de forma significativa.
Há de facto um pequeno número de projectos de demonstração que se poderiam classificar como S.M.R.s. São e serão demasiado caros e levarão muito tempo a construir, e de facto são simplesmente novas versões de velhos reactores, com os seus fiascos, falhas e técnicas falhadas. Não há qualquer economia de escala comparando com reactores maiores. Já nos anos 60 a indústria nuclear descobriu que os projectados S.M.R.s não eram económicos e continuou a desenvolver os maiores (as centrais de segunda geração, a maioria das que ainda funcionam).
E embora se fale dessa alternativa que seria milagrosa: a dos pequenos reactores nucleares (S.M.R.s) que são apresentados como capazes de resolver pelo menos alguns dos problemas apontados ao nuclear. Uma característica que se indica para eles é o de poderem vir a ser fabricados em ambiente industrial e em série, algo que poderia reduzir custos de produção, custos de funcionamento e tempo de implementação. Mas essa massificação da produção não se compadeceria com o rigor que há que ter na produção de equipamentos, nomeadamente os que obrigam a soldaduras sofisticadas controladas a Raios X, com uma elevada taxa de rejeições.
Mas há muitas tecnologias diferentes que estão a ser desenvolvidas e aí começa o seu problema. Os S.M.R.s que recorrem à tecnologia convencional (neutrões lentos) das centrais convencionais de grande dimensão de hoje, dificilmente se imaginam que possam reduzir custos, já que as centrais convencionais são grandes precisamente para permitir reduzir custos! Por outro lado, os que recorrem a outras tecnologias, de neutrões rápidos, por exemplo, propõem soluções muito diferentes (com moderação a metais líquidos – sódio por exemplo e outras, soluções para as quais a experiência existente é baixíssima em comparação com a do nuclear convencional), com exigências de segurança diferentes, produzindo lixo radioactivo diferente e a exigir rondas morosas de licenciamento.
Reactores rápidos com sistema de arrefecimento a sódio e altas temperaturas foram construídos como protótipos nos anos 60 mas as tentativas para passar desse nível fracassaram totalmente e tiveram de ser encerrados, como foi o caso do ruinoso Superfénix, em França Hoje não é previsível que ressuscitem dados os fracos resultados de então.
Além de que os novos desenhos terão que passar por licenciamentos e se aprovados levarão muitos anos até que sejam construídos.
Neste domínio do licenciamento e da fiscalização é necessário lembrar que os respectivos técnicos são de formação muito demorada, de rigorosa selecção, inclusivé no domínio do perfil psicológico e político. Semelhante para os técnicos de condução e os de manutenção das centrais. A disseminação de reactores torna tudo muito mais complicado e de difícil controlo.
Nos U.S.A. só uma tecnologia/tipo de reactor foi licenciada até agora (NuScale Power), mas nenhum foi ainda concluído, por ser muito caro. Entretanto, surgem interesses e vozes a querer simplificar processos e saltar etapas nestes processos de certificação, inclusive estão a tentar reduzir as medidas de segurança e os Planos de Emergência. Algo mesmo muito perigoso!
Quanto ao fabrico em série e o impacto potencial sobre os custos, nada aconteceu até agora. Seriam necessárias series de pelo menos uma ou duas dezenas de reactores e isso não está em nenhum horizonte concreto, com licenças e planeamento adequados.
Os pequenos reactores e o recurso a tecnologias muito diferentes entre si, tem consequências sobre os resíduos radioactivos e a sua gestão/armazenamento (incluindo o desmantelamento). Esta é uma questão que está muito longe de estar cabalmente abordada, nem no contexto das grandes centrais, quanto mais no contexto dos S.M.R.s E o armazenamento definitivo dos resíduos altamente radioactivos continua por resolver, com a disseminação dos ditos ainda mais agravado.
Ora segundo a Agência Internacional de Energia Atômica em 2024 só havia dois reactores que se poderiam chamar assim a funcionar no mundo. E apoiados directamente pelo Estado ou fundos de investigação. Em lado nenhum estão em linha de se tornarem comerciais ou de estar disponíveis para empréstimos bancários ou fundos de investimento. A Agência pede que sejam os Estados a financiar os primeiros reactores (foak, first of a kind), o risco passa para o público, nós.
Além de que se eventualmente se viessem a desenvolver implicariam riscos muito maiores de acidentes além dos problemas da proliferação.
E estas variações das velhas técnicas de fissão nuclear não resolvem os problemas básicos dos custos nem os sérios problemas de segurança e ambientais, ou sequer o dos resíduos da produção ou da extracção. E também dado envolverem demasiado cimento e betão não estão em linha com lógicas de produção em série.
Outro tema muito preocupante é o da proliferação nuclear e das questões de insegurança ligadas ao nuclear, com S.M.R.s a poderem ser espalhados e utilizados em todo o mundo e em qualquer lado. E quando se coloca a hipótese de modelos transportáveis e susceptíveis de navegar os problemas de segurança e controle disparam.
Os S.M.R.s têm obtido uma “boa imprensa” porque são apresentados como um novo nuclear, livre de problemas e capaz de produzir energia eléctrica a baixo custo, algo que é uma pura ilusão, como se explicou, mas que estimula a imaginação dos consumidores em todo o mundo, já que energia barata, abundante e segura é o que todos querem. Mas, para além de partilhar com os grandes reactores muitos dos problemas referidos no início, vem acrescentar outros, próprios, agora noutra escala.
Os S.M.R.s são uma fantasia que, na melhor das hipóteses, aparece apenas alicerçada em avanços marginais da tecnologia nuclear. E como conceito os S.M.R.s não têm existência fora da fantasia pós-modernista da indústria nuclear.

Acácio Pires, acivista climático, membro de diversas associações cívicas
António Eloy, escritor, coordenador do Observatório Ibérico Energia
António Mota Redol, ex-técnico da Junta de Energia Nuclear, especialista em planeamento energético na EDP e na REN
José González Mason (Chema), engenheiro coordenador do grupo de trabalho sobre energia da ADENEX
Henri Baguenier, professor universitário especialista em economia de energia
Manuel Collares Pereira, professor universitário especialista em renováveis e conservação de energia
E
António Cândido Franco, professor do ensino público
Carlos Pessoa, jornalista
Carlos Pimenta, engenheiro, ex –Secretário de Estado do Ambiente do IX Governo e do Ambiente e dos Recursos Naturais do X Governo
Fernando Santos Pessoa, arquitecto Paisagista
Jorge Leandro Rosa, filósofo, tradutor e editor
Jorge Paiva, biólogo.
José de Almeida Serra, economista, ex-Ministro do Mar do IX Governo
João Carlos Coelho, docente universitário e ex-Presidente do GEOTA
José Carlos Costa Marques, tradutor e editor
Manuel Macaísta Malheiro, jurista
Mara Rosa, artista plástica
Paulo Eduardo Guimarães, professor universitário
Pedro Soares, geografo, ex- deputado, Presidente da Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação
Susana Fonseca, activista ambiental
Teófilo Braga, mestre em educação ambiental, ex-Diretor da Agência Regional da Energia e Ambiente da Região Autónoma dos Açores

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