Um Ribatejano encantado com a vida no Minho

Crónica sobre a arte de ser feliz a caminhar, e descobrir o país a norte, onde as tradições nos remetem para os tempos dos nossos avós.
Se quero saber quantos anos Portugal está atrasado em relação aos países mais desenvolvidos do mundo, viajo para Itália. E não é nem de longe nem de perto o melhor exemplo, mas é aquele que eu encontro com mais facilidade juntando o útil ao agradável. Depois Itália teve, e ainda tem, uma organização cujo nome (Máfia) já entrou no dicionário de todas as línguas do mundo e que, com o tempo, acabou por chegar a Portugal, coisa que facilmente se comprova, embora o pior ainda esteja para vir (e todos seremos vítimas. E não haverá inocentes… nem pintados de azul).
Se quero saber como Portugal e os portugueses são diferentes nas várias regiões, subo ao Norte e fico por lá dois ou três dias e vejo como o povo português do sul e da grande Lisboa, onde vive quase um terço da população, é tão diferente do povo do norte como os brasileiros são diferentes dos ucranianos.
No primeiro domingo do mês de Junho caminhei todo o dia pelas margens e leito do rio Caldo, em plena Serra do Gerês, e tive a sorte de seguir na estrada, e depois pelo meio do mato, a “Subida da Vezeira”, tradição que se explica em poucas palavras: no início do Verão, o gado bovino é conduzido para os baldios, onde permanece durante a época de pastagens mais abundantes. A vezeira é acompanhada pelos vezeireiros, que cuidam do gado e das suas necessidades na vezeira.
Quem não sabe um boi desta vida em comunidade admira-se, primeiro por ver como animais com 500 quilos conseguem subir aqueles terrenos montanhosos e cheios de mato, e, depois, como ainda há pessoas que mantêm a tradição de criar animais quando, economicamente, a grande maioria só tem prejuízo, embora tire partido do prazer e do prestígio local de ajudar a manter as tradições, contribuindo ainda para a preservação do património cultural imaterial e para a valorização do Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Como o caminho que fiz ao longo do dia me levou para várias freguesias da Serra do Gerês, tive oportunidade de conhecer outros vezeireiros de outras vezeiras, e de ouvir contar como se organizam, como se defendem no Inverno, e de que forma se organizam para deixarem o gado no pasto e poderem ir à sua vida, que, ali, toda a gente vive de vários ofícios.
Apesar da conversa viva e culta sobre os costumes das gentes daquelas aldeias, foram dois adolescentes, que acompanhavam os pais, que me explicaram como funcionam e se organizam os vezeireiros, a cor de cada um dos animais, as suas origens, enfim, um tratado que só se escreve, edita e estuda na universidade da vida.
O rio que percorremos ao longo de sete quilómetros, durante uma boa parte do dia, tem as piscinas mais belas do mundo, digo eu, que, embora já tenha viajado muito, só conheço meia dúzia de metros quadrados de paraíso, pelas minhas contas uma parte ínfima do que deve ser o tamanho do olimpo.
A Gabel Oliveira, que é a guia do grupo e viajante profissional, foi quem me fez voltar a caminhar por carreiros de pastores, a saltar de pedra em pedra, e a deixar, por enquanto, o grupo do meu amigo Carlos Cupeto, que, não sendo viajante profissional, é um dos maiores dinamizadores culturais que já conheci, com uma actividade em várias áreas que vão desde a caminhada à tertúlia, entre muitas outras. Há muitos anos que o acompanho, mas ultimamente não tenho marcado o ponto. JAE.