A vida na aldeia e o que se dizia nos altares das igrejas

Estive mais de uma hora à conversa no meio da rua com duas vizinhas do meu bairro. Elas estavam a ver cair a tarde sentadas à porta. Só não falámos de política, de resto o que veio à rede era peixe.
Sou um provinciano assumido embora goste de entrar em palácios e palacetes e até ficar por lá a beber um copo. Depois vou à minha vida, e essas experiências para mim são como ir ao cinema. Se forem boas fica a recordação, se não forem, um dia já estou a ver o filme outra vez de tanto ouvir dizer que é bom. Assim é com os palácios e os palacetes, ou seja, os museus, que visito vezes sem conta embora me dê ao luxo de mal conhecer alguns considerados famosos que são de visita quase semanal de gente muito importante.
Lembrei-me deste privilégio de me sentir um provinciano ao ler três newsletters seguidas que o Expresso me envia por ser subscritor dos temas que os jornalistas tratam semanalmente e que me oferecem de mão beijada. Confesso que com estas leituras resumidas das notícias de Lisboa fico informado o suficiente para não ver televisão e, muito menos, ler os jornais mais do que aquilo que me interessa sobremaneira.
Foi num desses dias em que enchi o papo de informação desportiva e política resumida (do Expresso e do El País) que estive mais de uma hora à conversa no meio da rua com duas vizinhas do meu bairro. Elas estavam a ver cair a tarde sentadas à porta; parei o carro na rua onde cabem à vontade dois automóveis, e estive ali num bate boca como há muito tempo não experimentava. Só não falámos de política, de resto o que veio à rede era peixe e algum já enlatado há muitas dezenas de anos, tal foi o alcance temporal dos temas que tratámos na cavaqueira.
Como tinha o carro a apanhar uma faixa de rodagem, e estávamos os três a apanhar ainda uma parte da outra, embora encostados à parede, os carros que passavam para baixo e para cima tinham que abrandar à séria, embora a rua seja daquelas onde apetece acelerar.
Escusado será dizer que tirando os que acenavam com a mão por serem conhecidos ou vizinhos, os outros faziam má cara por terem que reduzir a velocidade de 80 ou 90 para 30 ou 40 quilómetros por hora. E naquela hora fiquei a saber por uma das vizinhas o que custa sair à porta de casa e levar com um carro a quase a 100 à hora numa rua dentro da vila, onde, de repente, pode saltar uma criança ou um adulto distraído com o saco do lixo na mão.
Habituado a andar mais de carro do que a pé nas ruas da minha aldeia, de vez em quando também com a mania que as ruas foram feitas só à medida dos automóveis e das motos, ouvi cobras e lagartos de condutores que passavam e faziam má cara por causa do incómodo de terem que abrandar a velocidade.
Nem abençoado pela conversa, com duas pessoas com quem não falava há muitos anos, deixei de pensar nas vezes em que eu também, sempre a acelerar para não perder o comboio, noutras ruas e noutras vilas e aldeias, devo ter levado o responso que, naquele fim de tarde, ouvi rezar com todas as letras a pessoas que conduziam os seus automóveis com o semblante de quem levava o rei na barriga.
Cheguei ao fim do texto sem explicar muito bem por que é que comecei por escrever que sou um provinciano assumido. Agora também já não tenho muito espaço para explicar, mas fica aqui o resumo do que não consegui escrever: a vida na aldeia já não é o que era dantes mas, embora não sinta saudades de outros tempos, vale mais uma hora de conversa sobre o que se dizia no altar da igreja há meio século, do que ver e ouvir os novos padres das paróquias a darem missa campal. JAE.