Recordar o Professor Joaquim Veríssimo Serrão

Esta semana, celebramos a sua vida, a sua obra, e toda a metafísica que os livros bons transportam – essa viagem entre o tempo e a eternidade, entre o real e o sentido.
O país passa, hoje, adormecido sobre a efeméride. É uma dormência ingrata, quase imperdoável. No dia 8 de julho, celebram-se cem anos do nascimento de uma das mais altas figuras da historiografia portuguesa, e, no entanto, não há manchetes, não há especiais de televisão, não há memória acesa nas praças. Sabem de Fernando Rosas, conhecem José Hermano Saraiva – como não? Mas pergunto: quantos, no público em geral, conhecem o nome, a obra, a estatura moral e científica do Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão?
Poucos. E isso entristece.
Mas nós, em Santarém, não temos esse direito à ignorância. Fomos por ele honrados, representados, estudados. Por entre os espólios poeirentos e as fontes esquecidas, por entre manuscritos e verbas gastas, o Professor entregou-nos, talvez sem que déssemos conta, uma das mais sólidas vigas da nossa identidade. Se hoje dizemos “somos de Santarém”, muito do que isso significa passou pela lupa do seu labor infatigável.
Recordo uma entrevista que deu à RTP, há anos, onde disse com humildade, algo do género: “Ser historiador é andar nos arquivos.” Não há frase mais fiel. E foi isso que ele fez. Andou pelos arquivos. Respirou o pó da História para que nós pudéssemos respirar o ar da lucidez, da razão e da fé.
Esta semana, celebramos a sua vida, a sua obra, e toda a metafísica que os livros bons transportam – essa viagem entre o tempo e a eternidade, entre o real e o sentido.
Permitam-me uma confidência. O Professor Veríssimo Serrão encontrava-se, nos seus últimos anos, no mesmo lar onde estiveram meus familiares próximos. Lembro-me da minha mãe, com aquele tom silencioso de reverência, dizer-me um dia: “Está ali o Professor Veríssimo Serrão”. Estávamos na sala. E eu, adolescente ainda, ignorei. A História já me fascinava, mas não colecionava livros, não lia tanto como hoje, não sabia que os grandes homens não gritam – impõem-se com o tempo.
Essa imagem ficou adormecida em mim até há poucos dias. Caminhava pela cidade numa dessas noites mornas de verão e, ao passar pelo edifício do Mirante, na Rua 31 de Janeiro, vi as janelas cheias de fotografias do Professor. Sorridente. Sereno. Digno. E essa lembrança antiga veio à tona. Quem me dera tê-lo cumprimentado. Quem me dera ter dito: “Obrigado, Professor.”
Porque, afinal, o Professor que li depois – o que escreveu dezenas de obras, o que presidiu à Academia Portuguesa da História, o que escreveu a monumental História de Portugal – é uma figura ímpar, talvez o mais completo erudito do século XX português. E era nosso. Santareno ou Escalabitano, sem dúvida. Português de corpo inteiro.