Opinião | 17-07-2025 07:00

José António Falcão: o alentejano que mora no coração do Ribatejo

José António Falcão: o alentejano que mora no coração do Ribatejo

José António Falcão é mais conhecido no Alentejo que os últimos ministros dos últimos governos do país. É um alentejano de gema, filho de proprietários agrícolas, mas a sua praia é a museologia, o património, a biodiversidade, a música e o trabalho de dinamizador cultural que vai conciliando com o de conservador de museus, ensaísta, professor, investigador, entre outros afazeres todos ligados ao que mais o apaixona. Mora em Santarém há muitos anos com a sua mulher Sara Fonseca, mas parece que ninguém dá por ele.

Escrever uma crónica é como varrer o chão da nossa casa. Assim como é difícil varrer o chão sem deixar algum lixo pelos cantos, ainda que seja apenas o cotão debaixo dos móveis, escrever sobre um acontecimento obriga-nos a esquecer muitas vezes aquilo que mais nos marcou, mas que não pode ser contado porque sabemos que não interessa ao leitor.
No sábado à noite fui a Coruche assistir a um recital de piano que fez parte do programa do Terras Sem Sombra que já vai na sua 21ª edição. A Igreja da Misericórdia registou uma enchente para ver e ouvir Eliane Reyes ao piano a tocar as 14 valsas de Chopin. Tive a sorte de ficar perto do palco, o que me permitiu observar tudo aquilo que num recital passa quase sempre despercebido à maioria do público presente na plateia. É exactamente disso mesmo que não vou falar porque não escrevo crítica musical nem acredito que o assunto interesse aos poucos que lêem esta coluna. Assim como não falo dos apertos de mão que recebi, dos beijos, das saudações pelo nome próprio, das conversas cruzadas antes e depois do concerto que quase fazem de mim um munícipe coruchense.
Não posso dizer que acompanho o Terras Sem Sombra como um alentejano ou um grande amigo e admirador do José António Falcão e da Sara Fonseca. Mas já assisti a sessões suficientes para confirmar que o Terras Sem Sombra é um caso à parte no panorama das iniciativas culturais com assinatura. Não só pela importância dos programas, que variam de ano para ano, como pelas parcerias que conquista a cada edição. Neste caso, na noite do concerto da Eliane Reyes, estavam como convidados o embaixador da Bélgica e um delegado geral de Bruxelas, que patrocinam o festival e suportaram o pesado (imagino) cachet da premiada e prestigiada pianista belga.
José António Falcão é um alentejano dos quatro costados, mas curiosamente vive em Santarém há muitos anos. É herdeiro de uma grande casa agrícola no Alentejo, mas a sua vida é dedicada às coisas da cultura, desde a valorização do património à divulgação de tudo o que mexe com a nossa identidade cultural, sem excepções. O facto de viver no coração do Ribatejo e trabalhar na divulgação e valorização do seu Alentejo, levando a cultura aos lugares mais isolados do território, faz dele uma figura intelectual de excepção. Há cerca de um mês estava a almoçar no café Central, em Santarém, com a proprietária da maior e mais prestigiada ganadaria do Alentejo, a prepararem mais um fim-de-semana do programa do Terras Sem Sombra deste ano.
Falta contar que José António Falcão foi conservador da Casa dos Patudos entre 1993 e 1997, e responsável pelo Museu Municipal em Alpiarça, entre 2003 e 2008. O resto é uma vasta lista de prémios, de condecorações, de uma vasta bibliografia, de muito trabalho no terreno, na área académica, investigação, assim como na área da museologia, que é onde se destaca mais o seu trabalho e a sua participação na vida cultural do país. Ainda hoje guardo o catálogo da exposição de arte sacra que organizou no Panteão Nacional que foi uma das mais visitadas de sempre naquele monumento nacional.
Curiosamente, uma das últimas vezes que conversamos em Santarém, não foi sobre o Terras Sem Sombra, nem sobre a sua múltipla actividade cultural e profissional no país e no estrangeiro. Em 2020 o alarme de incêndio do edifício da empresa Águas de Santarém esteve avariado cerca de um ano e disparava a meio da noite deixando os moradores num desespero sem conseguir dormir. Só quando O MIRANTE escreveu sobre o assunto é que acabou o martírio. Um dos moradores é José António Falcão, o escalabitano adoptado que, aparentemente, poucos conhecem e sabem que é uma personalidade intelectual com um vastíssimo e rico currículo que qualquer associação da cidade bem podia aproveitar se os seus dirigentes soubessem onde ele mora e lhes batessem à porta. JAE.

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