Ribatejo: a região que existe, mas não convém

A nova região “Oeste e Vale do Tejo” apaga o nome Ribatejo e nasce sem capital definida. O silêncio dos autarcas é cúmplice. E os candidatos às próximas eleições autárquicas têm de dizer ao que vêm.
Nasci em Abrantes, cresci no Médio Tejo e conheço o Ribatejo como quem conhece o cheiro da terra molhada depois da primeira chuva. Por isso, não consigo assistir com indiferença ao espetáculo silencioso — mas eficaz — de apagamento identitário que o Estado e os autarcas da região decidiram encenar. A nova região NUTS II, que junta o Médio Tejo, a Lezíria e o Oeste, é mais do que uma reorganização administrativa. É uma aula prática de como se apaga uma região inteira com um nome mal escolhido.
Chamaram-lhe “Oeste e Vale do Tejo”. Um nome que soa a instrução de GPS ou a zona de entrega de encomendas. Um nome tão genérico que podia ser usado para batizar um parque logístico ou um centro comercial. O que não é, claramente, é o nome de uma região com história, cultura e identidade. Porque essa região chama-se Ribatejo. Mas isso, pelos vistos, era demasiado claro, demasiado direto, demasiado... verdadeiro.
A Lezíria e o Médio Tejo, juntos, têm mais população do que o Oeste. Têm mais história, mais coesão territorial, mais continuidade económica. E, mais do que isso, ainda são a região agrícola de excelência do país — não foram, são. São também território de indústria, logística e inovação. Mas, no momento de escolher um nome, alguém achou que “Ribatejo” era dispensável. Talvez por soar demasiado português. Ou demasiado incómodo.
E não, isto não é apenas uma questão de orgulho local. É uma questão de existência. O que não se nomeia, não se defende. O que não se defende, desaparece. E o Ribatejo, ao ser apagado do nome oficial da região, foi empurrado para o esquecimento administrativo. Uma espécie de zona fantasma entre o Oeste turístico e o Tejo genérico.
A nova região, para compor o ramalhete, nasce sem capital definida. Um pormenor, dirão alguns. Mas não é. É um sintoma. Porque todos sabem que Santarém é o centro natural e histórico deste território. É a única capital de distrito da região, tem localização central, boas acessibilidades e um simbolismo que o Estado insiste em ignorar. Não assumir Santarém como capital é como fazer um bolo sem forno: pode ter bons ingredientes, mas nunca vai crescer.
Mais grave ainda é o silêncio cúmplice de muitos dos autarcas da região. Aqueles que, eleitos para defender os seus territórios, preferem o conforto da neutralidade à coragem da afirmação. Que se acomodam à linguagem vaga do poder central, em vez de exigirem respeito pela identidade das suas comunidades. O Ribatejo não foi apagado apenas por Lisboa — foi também abandonado por quem devia tê-lo defendido. E isso, sim, é imperdoável.
A todos os ribatejanos, deixo um apelo: não aceitem que vos tratem como nota de rodapé. O Ribatejo não é um detalhe — é uma região com alma, com história, com voz. E essa voz tem de se fazer ouvir.
E a todos os candidatos autárquicos nas próximas eleições, deixo um repto: vão continuar a fingir que não se passa nada? Ou vão, finalmente, levantar a voz por aquilo que vos devia mover — a terra que vos elege? O tempo da ambiguidade acabou. O Ribatejo não precisa de gestores de silêncio. Precisa de líderes.