Opinião | 31-07-2025 09:04

Dois reactores nucleares chineses para Portugal?

A. Mota Redol*

Hoje, com excepção de França, os países que apostam na opção nuclear não são democráticos, ou estão longe de ter uma democracia plena, onde nunca existiu ou ainda não existe debate sobre a opção, e onde as populações não conhecem o historial negativo desta via. A persistente acção de propaganda da via nuclear, a que nos referimos no início deste texto, tem sido acompanhada pelo apagamento de qualquer contraditório na Ordem dos Engenheiros e nos citados jornais.

O Jornal de Negócios de 27 de Junho de 2025 noticiou que o Eng. Pedro Sampaio Nunes realizou um contacto com a empresa chinesa China National Nuclear Corporation, a qual se propôs fornecer dois reactores nucleares de 1.200 MW cada pelo preço de 10.000 milhões de euros.

O Eng. Pedro Sampaio Nunes vem desde há alguns anos, juntamente com o Eng. Clemente Pedro Nunes, o Eng. Mira Amaral, Patrick Monteiro de Barros e outros, fazendo a propaganda da energia nuclear como solução para as alterações climáticas, embora aceitando que possa haver uma conjugação com as energias renováveis.

Na revista da Ordem dos Engenheiros, em vários jornais, como Expresso, Público, Sol e Jornal de Negócios, vem sendo realizada essa persistente acção, com o argumento de que se trata da alternativa de mais baixo custo de produção de energia eléctrica, segura e que dispensa a dependência da Rússia em gás natural.

Ora, quanto ao custo, vários relatórios independentes internacionais como The World Nuclear Industry Status Report elaborado por técnicos especialistas, consultores do Parlamento Europeu, concluem que esta forma de energia produz energia eléctrica a um custo duas a três vezes superior, e em alguns países, cinco vezes superior, ao custo de produção por energias renováveis.

Se no início dos anos 60 do Século XX a energia eléctrica pela via nuclear se apresentava com um custo de produção muito baixo, muitos acreditavam que o custo ainda deveria baixar mais, de tal modo que se dispensaria a sua cobrança, isto é, os cidadãos nada pagariam por ela.

Estudos realizados pela EDP em 1971 já mostravam que o custo de produção pela via nuclear e pela via de fuelóleo eram muito próximos.

O Livro Branco sobre Centrais Nucleares, encomendado pelo Governo e publicado em 1978, concluía pela existência de uma pequeníssima vantagem económica da via nuclear relativamente à via carvão.

Um estudo realizado pelo autor do presente texto e publicado na revista Economia, da Universidade Católica, nº 3 do Vol. IX, Outubro de 1985, em que comparava a via nuclear com a via carvão, concluía que as duas conduziam a custos do kWh quase idênticos, ao contrário dos propagandistas do nuclear que continuavam a apregoar um custo da primeira muito inferior ao da segunda.

Problemas de segurança (com difusão de radiações pelo ambiente) que provocaram maiores exigências das autoridades licenciadoras e fiscalizadoras, problemas de corrosão dos equipamentos em aços especiais, grande aumento do período de construção das centrais, levaram a que, nos EUA, líder neste domínio, o custo de um grupo nuclear de grande dimensão tivesse passado de US$ 100/kW em 1967 para US$ 1.030/ kW, uma evolução muito superior à da inflação. Com o acidente de Three Mile Island em Março de 1979, aquele parâmetro económico passou para um valor médio de US$ 1.659/kW em 1982, segundo um estudo da Agência Internacional de Energia Atómica. Mas podendo chegar a US$ 2.300/kW.

Aquele acidente provocou uma quebra das encomendas de reactores em todo o mundo ocidental de 44 por ano em 1975 para 2 ou 3 no início dos anos 1990, o que, reduzindo a produção das empresas produtoras de equipamento, ainda aumentou mais os custos, devido à perda do efeito de quantidade de cada empresa construtora. De 234 reactores em construção em 1979, o pico desde os primeiros reactores até hoje, passou-se para 53 em 2022, número que se mantém estável nos últimos anos.

De então para cá, depois dos grandes acidentes de Chernobyl e Fukushima, as exigências e os tempos de construção aumentaram mais. Os custos atingiram valores exorbitantes e com excepção de poucos países, os programas nucleares só vingam com fortes subsídios estatais.

Mesmo a França, onde o programa nuclear não parou mas se reduziu muito, a empresa Eléctricité de France (EDF) é estatal. Também são estatais as empresas da Rússia, da China e de outros países. Hoje, muitos bancos recusam-se a financiar investimentos nucleares.

Entretanto, as energias renováveis (eólica e solar) que naqueles anos 80 ainda eram uma hipótese prometedora mas de elevado custo, vieram a evoluir de forma rápida e a baixar de custo aceleradamente.

Hoje, um grupo nuclear de 1.000 MW pode custar entre 12 e 24 mil milhões de euros, consoante os enquadramentos, segundo valores divulgados por várias entidades, apesar de ser uma informação muito sigilosa. Sempre o foi.

O custo apontado pelo Eng. Pedro Sampaio Nunes para os reactores chineses é muito inferior: 10 mil milhões para dois reactores de 1.200 MW. Esse seria o custo provável nos anos 90.

As razões podem ter várias origens:

1)A empresa chinesa forneceu um valor indicativo numa conversa informal e pretendendo fazer uma proposta aliciante. Para uma estimativa mais real teria de ser fornecido o projecto da central com dois grupos, já selecionado o local de implantação. Aquele valor será para um período de construção de 5 anos, que é o apontado pelos chineses, quando o verificado há muitos anos em todo o mundo atingiu uma média de 10 anos, nalguns casos 12, 14 e até 20 anos.

2)A estimativa não deve contabilizar os encargos financeiros durante a construção, o que qualquer empresa, pública ou privada, tem de considerar, os quais aumentam muito quando o período de construção se dilata.

3)Também não deve considerar o custo de desmantelamento no final de vida dos reactores, valor que, se nos anos 80 já se estimava poder ser de cerca de 30% do custo do investimento, mas podendo chegar a 100%. Hoje pode atingir montante igual ao do investimento inicial, podendo prolongar-se por dezenas de anos, razão pela qual as empresas de produção de energia eléctrica tentam passar esse encargo para os Estados.

Por outro lado, pergunta-se: quem é o grupo financeiro que está por detrás da diligência?

O engenheiro em causa é Presidente de várias empresas, entre as quais duas de energias renováveis, e da ENUPOR – Energia Nuclear de Portugal. Pertence a um grupo de ex-Ministros e de empresários que defenderam publicamente a via nuclear. Entre eles o empresário Patrick Monteiro de Barros, o qual em 2005, com o apoio público do Eng. Pedro Sampaio Nunes e da sua empresa nuclear tentaram ressuscitar a via nuclear propondo construir uma central nuclear em Portugal. Embora o empresário dissesse que não necessitava de qualquer subsídio do Governo, sabia-se que ele pretendia um apoio estatal de 2/3 do investimento.

Quanto ao argumento da via nuclear ser segura, estamos lembrados dos acidentes de Three Mile Island, Chernobyl (muito milhares de mortos imediatos e por cancros a prazo), Fukushima (quantos mortos e cancros?), de milhares de situações de fuga de materiais radioactivos líquidos e gasosos, da unidade de reprocessamento de Windscale, no Reino Unido, da mina da Urgeiriça e minas em todo o mundo.

Quanto à orientação de não dependência da Rússia no fornecimento de gás natural nas centrais termoeléctricas de ciclo combinado, o argumento não tem sentido, é o simples aproveitar do sentimento da opinião pública de aceitar o fim dessa dependência, pois as renováveis cobrem as necessidades de energia eléctrica sem recurso a essas centrais. E os países que ainda queiram possuir essas centrais termoeléctricas, embora também produzindo CO2, podem recorrer a um conjunto muito diversificado de países fornecedores de gás natural.

Portugal teve, depois do 25 de Abril e nos anos 80, um aceso debate sobre a opção nuclear que terminou em 1985 quando o Governo PS/PSD decidiu não avançar por esta via. O país possuía então algumas dezenas de técnicos preparados pela Junta de Energia Nuclear e no estrangeiro, os quais poderiam assegurar o licenciamento e a fiscalização, a construção e a condução de grupos nucleares. Tinha empresas de metalomecânica que poderiam participar na construção de grupos electro-nucleares. Não se quis enveredar por esse caminho, e bem. É agora, que não existem essas condições mínimas, que para muitos eram insuficientes, e o país enveredou decididamente pela via das energias renováveis que alguém quer propor a opção? Mesmo que em combinação com as renováveis?

Hoje, com excepção de França, os países que apostam na opção nuclear não são democráticos, ou estão longe de ter uma democracia plena, onde nunca existiu ou ainda não existe debate sobre a opção, e onde as populações não conhecem o historial negativo desta via.

A persistente acção de propaganda da via nuclear que se referiu no início deste texto, tem sido acompanhada pelo apagamento de qualquer contraditório na Ordem dos Engenheiros e nos citados jornais.

A um artigo publicado pelo Eng.Sampaio Nunes na revista da Ordem dos Engenheiros, respondeu o autor do presente texto, também membro daquela Ordem, com artigo divergente que esta se recusou a publicar, apesar das insistências junto do Bastonário. Aliás, ele próprio (Bastonário) deu cobertura e participou em sessões de propaganda, ditas de discussão pública, mas com a participação única dos nuclearistas, em que teve intervenções de quem ignora a especificidade do assunto.

Se o jornal Público publicou vários textos laudatórios do nuclear, com inverdades e interpretações falsas, a resposta do autor do presente texto e dos seus protestos não teve no jornal qualquer divulgação. Um abaixo-assinado de vários técnicos e ambientalistas denunciando os textos laudatórios e mentirosos não foi publicado naquele jornal. Um texto de análise sobre os agora muito propagandeados SMR (Small Modular Reactors) - a nova coqueluche da tentativa de ressuscitação nuclear-, assinado por técnicos nucleares, ambientalistas e antigos Ministro e Secretário de Estado, não foi publicado pelo jornal Expresso. O Sol publicou um texto de Patrick Monteiro de Barros.

Para além do mais, a grande maioria dos textos propagandeando o nuclear são assinados por jornalistas ignorantes no assunto, limitando-se a reproduzir textos lidos à pressa na “internet”.

Trata-se de uma flagrante violação da liberdade de opinião, e do princípio do contraditório, que em muitos outros assuntos também se vem desenvolvendo no país. Trata-se de apagar as vozes discordantes não se sabe bem por influência de que poderoso grupo.

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