Opinião | 07-08-2025 07:00

O Tejo poluído e o Douro das águas profundas e navegáveis

O Tejo poluído e o Douro das águas profundas e navegáveis

No Porto é fácil falar de igual para igual com qualquer pessoa. No meu caso gosto de carregar nas teclas das ondas da praia da Aguda, das águas revoltas do mar de Esposende, ou da Granja, e o resto vem com a memória do que li nos livros de Agustina, Camilo, Eça ou João de Araújo Correia, entre outros.

Dormir com uma má decisão que só pode ser revertida no dia seguinte, se tudo der certo, já é canja para mim que cheguei à idade de quem vive à beira do abismo: ou deito-me por aí abaixo ou aprendo a equilibrar-me. Escolhi para já a última alternativa.
Desfiz o equívoco que deu origem ao primeiro parágrafo com uma simples frase: já não sou o Joaquim que era há 20 anos. E o problema resolveu-se sem mágoas e equívocos, fruto do que sem pensar e de forma a despachar conversa tinha dito no dia anterior, e sem que com isso tenha perdido a razão.
Na noite em que escrevo num quarto de hotel do Porto, estou de regresso de um momento musical numa casa apalaçada de um empresário da cidade. Embora não seja a minha praia, “viajei”, durante o convívio, com alguns amigos e conhecidos por vários países do mundo por onde eles ainda viajam, alguns já dividindo trabalho com os filhos, fazendo aquilo que os portugueses sempre fizeram bem: vender o nosso produto lá fora.
Como já não estou em idade de desvendar segredos, ou seja, já pouco me interessa saber como se ganha dinheiro, basta e sobeja-me ouvir as histórias, como a da senhora que há 60 anos se passeava no Porto com o Porsche com seis pessoas lá dentro, e deu várias voltas ao mundo a vender vinho do Porto da casa de família; o empresário que começou a viajar para a Tailândia e enriqueceu em meia dúzia de anos; o que construiu um império que lhe permite ter a casa de seis milhões onde hoje me acompanhou até à porta na hora da despedida, ou aquele que, por brincadeira, comprou um quadro de um pintor famoso e hoje tem uma colecção de arte que vale uns bons milhões.
No Porto é fácil falar de igual para igual com qualquer pessoa. No meu caso gosto de carregar nas teclas das ondas da praia da Aguda, das águas revoltas do mar de Esposende, ou da Granja, e o resto vem com a memória do que li nos livros de Agustina, Camilo, Eça ou João de Araújo Correia, entre outros.
O Joaquim que hoje tem a oportunidade de ouvir, mesmo sem saber trautear, as canções do Rui Veloso numa casa apalaçada de Gaia, Vila da Feira ou Matosinhos, é o mesmo que há meio século corria para Lisboa para conhecer mundo e aprender o ofício que lhe deu corpo e espírito, qual deles o mais importante, para hoje poder decidir, quase à beira do abismo, se me cago de medo de cair ou se, na desportiva, aprendo sem dramas a arte de me equilibrar até a queda se transformar no prazer da última evasão.
Há força de acreditar que nunca devemos perder as ilusões, finalmente consegui perceber porque é que o norte e os portugueses do norte de Portugal fazem a diferença. Não fazia nada de diferente na minha vida se pudesse voltar atrás e mudar alguma coisa; talvez antecipasse uma dezena de anos a ingestão dos comprimidos que comecei a tomar para a queda do cabelo. Fiquei careca muito cedo, mas não tão cedo o suficiente para que os cabelos nos olhos não me tivessem tirado a visão, impedindo-me de ter ficado muito tempo a olhar de perto as águas poluídas do meu rio Tejo, em vez de ter ido mais cedo e mais vezes rio acima até ao Douro para ver melhor nas suas águas profundas e navegáveis. JAE

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