O Verão de ser português

Irrita ver tamanha desfaçatez, falta de educação e de respeito por quem pretende cumprir com as regras. Irrita fazer parte de um povo que teima em ser forte nas conversas de cafés e cobarde na crítica construtiva. Irrita ter visto tantos jovens condutores assumirem aquele comportamento, certamente também por já o terem vivido com os respectivos paizinhos e mãezinhas.
Quem conhece a autoestrada A5, no sentido Cascais – Lisboa, sabe que para aceder à ponte 25 de Abril, quando chegado ao alto de Monsanto, tem de se encostar à via da direita. Muitas das vezes e, sobretudo, durante o período estival, a fila automóvel de acesso à avenida da ponte prolonga-se ainda antes de Monsanto.
Num belo Sábado deste Agosto, tendo como proveniência a Parede, pretendi passear até à renomada margem Sul. Lá cumpri o percurso e, quase chegado ao alto de Monsanto, de pronto me coloquei no último lugar da longa fila de veículos que desde longe se vislumbrava. Não tive tempo para o aborrecimento do monótono “pára-arranca”, dado que de imediato fui confrontado com a exuberância de uma verdadeira farra comportamental lusitana. Ou melhor, assisti à deplorável demonstração do que ainda é ser português.
Novos e velhos, de todas as idades, ao volante de “boguinhas”, “Chaços”, de “topos de gama”, ou mesmo de autocaravanas – numa decepcionante amálgama sociológica -, tentavam furar a fila, encostando-se desafiadoramente aos automóveis que, paciente e educadamente, iam avançando lentamente até à avenida da ponte. Infelizmente sempre com sucesso, dado que se conseguiam sempre aproveitar de um intervalo momentâneo do “pára-arranca”.
Foram às dezenas os lusos “xicos-espertos” que se iam introduzindo na fila.
Não, esta não é uma história menor, de alguém que se irritou com o que viu numa soalheira tarde de Sábado.
É sim uma genuína e execrável metáfora do nosso atraso endémico, da nossa pobreza mental e da recusa persistente e sistemática em aceitar os preceitos da sã convivência colectiva. Falta de respeito e de educação, tristemente evidentes. Insistimos em não querer perceber que os povos civilizados e desenvolvidos o são porque cumprem, não apenas com o estipulado na lei, mas também e sobretudo, com os mínimos de urbanidade, educação e respeito pelos outros.
Para o português “xico-esperto”, não se trata apenas de chegar primeiro que os outros. Trata-se sobretudo aquela sensação de ser o “tarzan” do meu quintal, do já “comi os gajos e os outros que se lixem”.
Aqueles que furam filas, são depois os mesmos que estacionam em segunda fila e nos bloqueiam o carro, que não param nas passadeiras, que arremessam lixo pela janela do carro, que utilizam a “cunha” para a resolução de problemas, que chegam sistematicamente atrasados aos compromissos, ou, se necessário, que não hesitam numas ligações directas de água ou luz.
Não têm qualquer vergonha pelo seu comportamento, porque simplesmente são desprovidos de qualquer referencial moral ou ético. É uma questão de carácter. Ser educado já começa a ser um luxo nesta terra, onde continuam a imperar os alarves e a fúfia ululante.
Irrita ver tamanha desfaçatez, falta de educação e de respeito por quem pretende cumprir com as regras. Irrita fazer parte de um povo que teima em ser forte nas conversas de cafés e cobarde na crítica construtiva. Irrita ter visto tantos jovens condutores assumirem aquele comportamento, certamente também por já o terem vivido com os respectivos paizinhos e mãezinhas.
Irrita não perceberem que vivem mentalmente no tempo das cavernas, nada os distinguindo da boçalidade animal.
O comportamento indecoroso da gentinha “fura-fila” automóvel de Monsanto, confirma uma colossal metáfora do que era e, infelizmente, ainda é de ser português. Somos os “reis da manha”, os “sabichões de bolso”, os “mestres da treta”, mas recusando-nos a mudar de vida e a trabalhar melhor, preferindo sempre a mão estendida.
Meu pobre país, meu pobre Portugal. “Quo vadis”?
P.N.Pimenta Braz