Cheguei a velho... e agora?

Em tempo de eleições autárquicas, os velhos como eu perguntam quem é o candidato que promete a construção de residências para seniores, que tem um protocolo com as instituições do concelho para que nenhum velho morra em casa sozinho. Quem é o autarca que faz propaganda política com o investimento em cuidados para as pessoas da terceira idade, aqueles que nos últimos 70, 80 ou 90 anos carregaram o país às costas? Acho que não encontramos nenhum.
Não sei se faz sentido escrever uma crónica a dizer que cheguei à idade da velhice, mas ainda não me caiu a ficha. Quero dizer: tenho a idade de velho, mas mantenho a forma física e julgo que intelectual para fazer o que sempre fiz, embora em alguns casos mais devagar e com mais calma. Claro que não vai ser por muito tempo. Basta olhar à minha volta e fazer dos outros os meus espelhos.
O título da crónica não é inocente: quem sabe sirva de inspiração para um podcast. Não sou eu que me vou meter em trabalhos, mas quem não tem nada para fazer certamente tem aqui um bom pretexto para conseguir uns milhões de seguidores e ainda poder sonhar com uma entrevista numa qualquer televisão, no horário da manhã, que é quando o país acorda para a triste realidade do jornalismo em televisão.
A maioria da população adulta que vota é velha como eu e não faz a diferença na hora do voto. A maioria de nós nem imagina onde é que vai passar o resto dos seus dias, quem lhes vai mudar a última fralda ou dar o último prato de sopa à colher, se as coisas derem para o torto e não morrermos jovens como todos desejamos. Quantos de nós têm, ou vai ter a curto prazo, 2 ou 3 mil euros para pagar a uma residência de idosos que não seja um lar ilegal, ou legal mas gerido por alguém que aceita velhos a bom preço (900 euros), como quem acolhe cães moribundos?
Em tempo de eleições autárquicas, os velhos como eu que se perguntem quem é o candidato que promete a construção de residências para seniores, que tem um protocolo com as instituições do concelho para que nenhum velho morra em casa sozinho? Quem é o autarca que faz propaganda política com o investimento em cuidados para as pessoas da terceira idade, aqueles que nos últimos 70, 80 ou 90 anos carregaram o país às costas? Acho que não encontramos nenhum.
Quem não tiver amealhado uma boa fortuna, ou não tiver familiares endinheirados, se viver muito tempo baboso e de fralda tem um fim pior que um rato que se mete num buraco de uma cobra.
É difícil perceber que a direita do PSD e a esquerda do PS ainda sejam tão estúpidos que não gastem agora com os velhos e as crianças o que já não precisam de gastar em alcatrão e saneamento básico. É difícil perceber que os políticos/autarcas continuem a dar de mão beijada os melhores terrenos aos Continentes e aos Pingos Doces desta vida para, em vez de termos jardins e monumentos à entrada das nossas cidades, tenhamos grandes superfícies comerciais com anúncios gigantescos a fazerem lembrar a poluição visual nos países de terceiro mundo.
O voto é secreto e cada um deve votar segundo as suas convicções. Por uma vez faço um apelo aos velhos como eu que votem em quem tem nos seus programas eleitorais políticas de apoio à construção de creches e residências para idosos. Chega de nos meterem o dedo no traseiro e de fingirem que também não conhecem as pessoas da terra que para serem pais têm que deixar de trabalhar ou são segregados e espoliados dos seus direitos.
Por último: os velhos como eu sabem quem trouxe Ricardo Salgado de volta do Brasil para refazer a sua fortuna; quem recebia Belmiro de Azevedo nos gabinetes; quem fechou os olhos aos assaltos às empresas públicas desde que a nossa democracia perdeu o estado de graça. Está na hora dos nossos políticos tirarem a máscara e não continuarem a querer fazer-se passar por otários que nós já comemos muitas gamelas de malvas cozidas e temos memória de elefante. JAE
Nota: Duas frases, que nenhum velho deve esquecer, de dois velhos que morreram jovens. Millôr Fernandes: “Um homem é realmente velho quando só pensa nisso”. Pablo Picasso: “É preciso muito tempo para nos tornarmos jovens”.