A atrevida estupidez natural continua a pôr a um canto a fofinha inteligência artificial
Revigorado Manuel Serra d’Aire
Revigorado Manuel Serra d’Aire
Deixo desde já a ressalva de que esta mensagem, tal como todas as anteriores, não teve qualquer mãozinha da chamada inteligência artificial (IA), agora tanto na moda e usada para tudo e mais alguma coisa, até para aconselhamento clínico e, quem sabe, solução futura para a malfadada e crónica falta de médicos de família e para a baixa natalidade. Eu, com a IA não quero nada. Estou de relações cortadas. Há uns tempos perguntei-lhe o que sabia sobre um tal Serafim das Neves e a resposta que o assistente cibernético me deu é que o dito cujo foi um jogador de futebol português, nascido em 1920 e falecido em 1989, que jogou no Sporting nos tempos da maria cachucha e chegou a internacional.
Sobre o Serafim das Neves que assina este arrazoado não há uma linha, nem que fosse a denunciá-lo como um empenhado adepto da boémia e admirador ferrenho das cantigas de escárnio e maldizer e sucedâneos. Uma desfeita destas é mais difícil de engolir do que a espinha de um bacalhau da Noruega. A minha autoestima ficou tão abalada como a de um guarda-redes depois de dar o frango do século ou de um cantor que desafina a cantar o hino nacional. Há acontecimentos fatídicos, irreparáveis e imperdoáveis.
Outra das razões para não me deixar levar pela moda e pelos encantos e cantos de sereia da IA é porque entre a inteligência artificial e a tão humana e infinita estupidez natural, esta última é muito mais inspiradora e atractiva. A IA debita um discurso fofinho que mistura a professora de português, o clerical e o guru motivacional, ou seja, uma chachada de todo o tamanho que me faz lembrar o discurso da catequista que tive na infância. Falta-lhe aquele vernáculo que dá cor e sabor ao verbo. A IA é um pãozinho sem sal, um queque, uma betinha.
E para mal dos meus pecados, que são muitos, a IA não esteve lá quando precisei verdadeiramente dela. Há tempos deu-me para pintar umas divisões da casa e, obviamente, uma ajudinha vinha a calhar. Perguntei à IA o que podia fazer por mim. E ela, toda lampeira, disse que podia ajudar a escolher cores e indicar certos tipos de tinta, “mas, claro, não consigo pintar fisicamente por ti (e colocou um emoji sorridente)”. E acrescentou, prazenteira, a gozar o prato e continuando a tratar-me descaradamente por tu, como se tivesse andado comigo na tropa: “isso ainda depende de ti ou de um pintor contratado”. Até aí sabia eu, que não sou propriamente uma sumidade, natural ou artificial. O que esperava dessa divindade omnipotente era uma resposta conclusiva, do género: “não te chateies com isso que eu resolvo; diz-me só a que dias e horas te dá jeito; queres que leve umas cervejinhas para o lanche?”. Não, nada disso! É uma inteligência artificial, é sonsa, mas de parva não tem nada...
Saudações estivais do
Serafim das Neves