Opinião | 28-08-2025 07:00

A morte em directo do forcado Manuel Trindade

A morte em directo do forcado Manuel Trindade

Manuel Trindade, forcado do grupo de S. Manços, morreu ao tentar pegar na primeira tentativa um touro com quase 700 quilos na corrida que se realizou no passado dia 22 de Agosto na praça de toiros do Campo Pequeno. A morte não foi imediata, mas as contusões que o forcado sofreu contra as tábuas foram tão fortes que a sua morte acabou por acontecer horas depois já no Hospital.

Não deixo passar a morte deste forcado sem deixar aqui o que penso desta ocorrência e aquilo que protagonizo para o futuro da actuação dos grupos de forcados nas arenas. Assim como defendo o uso de bandarilha sem arpão, defendo que um grupo de forcados que se desfez em quatro segundos até o forcado da cara morrer contra as tábuas deve repensar a sua existência e a sua responsabilidade na morte do seu companheiro.
Não vale a pena poupar palavras. Um forcado que vai para a cara de um toiro sabe que pode morrer se não tiver as ajudas de que precisa. Se as ajudas forem incapazes de se juntarem a ele na cara do toiro, de parar o toiro ou desviá-lo das tábuas, o forcado pode morrer. Foi o caso. Alguma coisa deve ser alterada, tendo em conta o historial da arte de pegar toiros. Nos últimos anos morreram 11 forcados nas arenas portuguesas (o número é provisório e cheguei lá depois de falar com alguns críticos da festa que escrevem regularmente sobre toiros).
Por ter vestido uma jaqueta sei o que é viajar à córnea ou à barbela na cabeça de um touro até bater nas tábuas. Eu e muitas centenas de forcados tivemos sempre a sorte do nosso lado, e não deixámos lá os miolos nem os órgãos que depois de castigados causam a morte antes da ajuda médica.
Um grupo de forcados vai para dentro do redondel com oito homens, mas tem outros tantos na trincheira. O que nós vemos nas fotos e no vídeo da pega de Manuel Trindade é quase um suicídio em directo. O toiro não tinha cara de diabo, mas com os seus quase 700 quilos certamente que tinha a força de um diabo.
Tenho no computador o filme da pega e é doloroso ver como o grupo de S. Manços foi ficando pelo caminho naqueles breves quatro segundos enquanto durou a reunião entre forcado e toiro e o embate nas tábuas que causou a tragédia.
Quem me lê e é aficionado vai dizer que estou a aproveitar-me da infelicidade de um forcado para ganhar leitores e fazer demagogia. Não estou: primeiro porque sei que na cabeça do forcado da cara o seu maior medo é chegar às tábuas sem ajuda, depois porque já vivi a mesma situação; segundo porque mesmo os forcados que nunca pegaram um toiro de caras sabem que o grande perigo das pegas não vem do toiro baixar a cabeça demais, de ensarilhar ou sequer de tentar derrotar o forcado; com mais ou menos pirueta ninguém morre da queda. Mas contra as tábuas morre-se ou fica-se paraplégico com muita facilidade, seja nas touradas oficiais, nas picarias ou nas largadas.
Quem fez o favor de me enviar o filme dos acontecimentos publicou as imagens e convidou-me a usá-las. Respondi-lhe que O MIRANTE, regra geral, não publica fotos de pessoas ou actos violentos. Do outro lado veio a resposta que eu esperava: “concordo: alguma coisa tem que ser feita para que se possam evitar mais mortes nas arenas como a de Manuel Trindade”.
Os trapezistas do circo já não morrem se caírem do arame, os pilotos de fórmula 1 morrem mas muito menos que os forcados, e quando arriscam é para sustentarem as suas grandes fortunas, o mesmo com os pilotos de aviões, de barcos, os atletas de alta competição que muito raramente morrem a praticarem desporto. Não é justo que os responsáveis pelas corridas de toiros não protejam os seus principais protagonistas que são os forcados, quando a pega corre mal e os seus companheiros não estão à altura de o ajudarem, embora por razões alheias à sua vontade e coragem.
Confesso que pensei duas vezes se devia escrever sobre o assunto, sabendo que o mundo dos touros não tem quem pense as touradas, quem tenha soluções para humanizar mais o espectáculo, defendendo-o dos anti-taurinos que são capaz de festejarem a morte de um toureiro ou de um forcado como se festeja a morte de um terrorista. Ver e ouvir os militantes anti-taurinos festejarem a morte de um toureiro ou de um forcado é execrável e mostra que ainda vivemos numa sociedade onde não há limites para a desumanidade. JAE


Nota: Dedico esta crónica a Rui Manuel Souto Barreiros que, embora tenha mais 12 anos do que eu, ainda me ensinou muito sobre como se sobrevivia, na altura da juventude, no seio dos grupos de forcados .


Henrique de Carvalho Dias publicou na edição online de O MIRANTE um texto e uma galeria de fotos da corrida no Campo Pequeno onde Manuel Trindade perdeu a vida. Esta foto foi cedida por Eugénio Eiroa Franco, um jornalista aficionado que edita o “tribunadatauromaquia”. Entre o momento da reunião do forcado com a cara do touro e o embate fatal nas tábuas passaram apenas quatro segundos.

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