Portas do Sol de Santarém: um lugar único na região

Os povos da Península Ibérica fazem parte dos povos mais mesclados de toda a Europa. Em tempos de extremismos e de radicalismos, de racismo e racismos, convém não esquecer de onde vimos, da nossa história, por isso geralmente, digo a amigos, conhecidos e familiares: “façam o vosso teste de ADN num laboratório credível.”
“O Ribatejo deve ser visto das Portas do Sol de Santarém, num dia de cheia, ou das bancadas duma praça de toiros, numa tarde de verão. Num dia de cheia, porque o Tejo hipertrofiado marca-lhe exactamente a extensão e os contornos que a geografia nunca encontrou; numa tarde de toiros, porque é no redondel que se precisa a sua íntima significação.”
Miguel Torga, Portugal
Sendo scalabitano, ou não, de tanto ouvirmos falar ou de nos ser familiar este nome e local, não paramos para nos questionar. Assim se passa em qualquer aldeia, vila ou cidade, em que certas histórias são envolvidas em roupagens lendárias e raramente contextualizadas ou questionadas. O ser humano tem necessidade de se agarrar a mitos.
Das muralhas que contornam e delimitam parte do antigo planalto de Santarém, dos tempos da Reconquista e que muito têm para desmitologizar, espraia-se uma planície sem fim, de campos verdejantes de onde se avista o casario alvo de Almeirim, Alpiarça e outras povoações da margem esquerda do Tejo, além das neblinas que cobrem e se evolam do Tejo profundo que nasce nos arredores de Toledo, desemboca no Mar da Palha e assenta arraiais em Santarém.
Santarém não se entende sem a sua ligação ao Tejo e à ferrovia que a atravessa junto à beira-rio na abandonada e esquecida Ribeira de Santarém.
O que significa, então, Portas do Sol? É um local no antigo castelo donde miramos e somos vistos, é a luz que significa Vida, é um local espiritual para quase todos os ribatejanos. Ali se observam os alvoreceres, ora luminosos ou nublados, ou os mágicos pôr-do-sol que mergulham na planície e são engolidos pelo Tejo. As Portas do Sol são a varanda principal de Santarém, local de contemplação, de introspecção, de namoricos pueris de adolescentes, de desabafos e passeios familiares domingueiros.
Em Madrid existe a Puerta del Sol e o km 0, mas as suas mensagens subliminares são outras.
Sobre a encosta escarpada e a pique sobre o Tejo, qual espécie de esporão, temos diversas camadas de povos e culturas que nos antecederam e de que somos herdeiros: os celtas e iberos, os lusitanos, os fenícios, gregos e cartagineses, os romanos, os muçulmanos (de origens berberes, persas e da península arábica), os judeus que chegaram à Península Ibérica com as primeiras legiões romanas, os moçárabes(cristãos adaptados à cultura árabe e falantes da sua língua) e os cristãos (uma enorme mescla de portucalenses, normandos, borgonheses, bretões e teutónicos). As Portas do Sol são por isso e também, arqueologia pura. História e histórias que têm de ser explicadas e divulgadas, para não nos deixarmos envolver e darmos como adquiridas e verdadeiras histórias mitológicas e fundadoras criadas durante o Estado Novo.
Em tempos de extremismos e de radicalismos, de racismo e racismos, convém não esquecer de onde vimos, da nossa história, por isso geralmente, digo a amigos, conhecidos e familiares: “façam o vosso teste de ADN num laboratório credível.”
Os povos da Península Ibérica fazem parte dos povos mais mesclados de toda a Europa. Esta Península onde todos vivemos era a finisterra, o Ocidente, quase uma ilha apenas ligada à Europa Central por um estreito corredor atravessado pelos Pirinéus. Mas por mar todos por aqui passavam, chegavam e se estabeleciam, e de todos eles somos descendentes e devedores da nossa cultura e identidade. Portugal sendo um país exclusivamente atlântico é em parte, sobretudo a Sul, de influência mediterrânica, assim nos explicou o grande geógrafo Orlando Ribeiro(1911-1997).
As Portas do Sol abrem a cidade para o País e o Mundo, são um resumo da história de Santarém, o seu principal cartão de visita, de celebrações e de identidade local e distrital.