Opinião | 04-09-2025 13:06

Quando Almeida Garret veio de Lisboa até Santarém

Quando Almeida Garret veio de Lisboa até Santarém
Miguel Montez Leal

Almeida Garrett atravessa uma cidade em escombros, repleta de conventos, igrejas, capelas e palácios e dirige-se até à antiga Alcáçova, residência recente do grande reformador liberal e tribuno, Passos Manuel. Pouco tempo depois Garrett escreveria Viagens na minha Terra.

Quando Almeida Garrett veio em 1846 de Lisboa até Santarém, parando em Vila Franca de Xira, Vila Nova da Rainha, Azambuja, Cartaxo e Vale de Santarém, deparou-se com uma cidade, que chegou a ser capital do reino, devastada e a tentar reconstruir-se. As primeiras quatro décadas do século XIX não tinham sido fáceis, nem para a cidade, nem para o resto do país. As invasões francesas e a terrível guerra civil e fratricida entre absolutistas e liberais deixaram a cidade em ruínas. Almeida Garrett atravessa uma cidade em escombros, repleta de conventos, igrejas, capelas e palácios e dirige-se até à antiga Alcáçova, residência recente do grande reformador liberal e tribuno, Passos Manuel. Pouco tempo depois Garrett escreveria Viagens na minha Terra, romance que se tornou famoso e um clássico da literatura portuguesa até aos dias de hoje e onde nos narra este episódio de reencontro de dois velhos amigos.

Hoje, passados que são, quase 180 anos após esta viagem, Santarém continua a ser para os lisboetas e não só, uma cidade longínqua num norte imaginário. Em uma hora, pela ferrovia e estação de Santarém, chega-se à Expo. De automóvel duramos, também, cerca de uma hora em auto-estrada, assim como em autocarro expresso. No sentido oposto poucos fazem esta curta viagem.

Para estas pessoas, Santarém continua a apresentar-se despida de interesse, longínqua, parece não estar assinalada no mapa. A imagem de marca no panorama nacional é que todo o ribatejano e scalabitano é marialva, com a paixão por touradas, cavalos e campinos. É, em parte, um facto. Faz parte da cultura local. Quem conhece um pouquinho melhor a cidade associa-a à gastronomia e aos doces conventuais, como os celestes e pampilhos, ou ao anual Festival da Gastronomia. Também a Feira Nacional da Agricultura atrai visitantes de todo o país. Mais desconhecido é o Festival de Órgãos, a Biblioteca Municipal Braamcamp Freire, o seu extraordinário espólio legado à cidade, ou o museu que se situa no primeiro andar deste edifício público.

Cidadãos brasileiros vêm a Santarém em passeio e romagem conhecer o túmulo de Pedro Álvares Cabral. Talvez desconheçam as vicissitudes deste personagem histórico, como o seu corpo andou em bolandas e ficam surpreendidos com um túmulo tão humilde. Aqueles que vão a Sevilha talvez façam uma comparação com o ostentatório túmulo do misterioso Cristóvão Colombo, a quem actualmente ainda se atribuem as mais variadas nacionalidades.

Quem conduz e vem do norte, atravessa o antigo Ribatejo em direcção a Lisboa e por isso costumo afirmar que é um dos distritos menos conhecidos de Portugal. Pára-se em Tomar, a cidade com a imagem de marca dos Templários ou vai-se até ao Santuário de Fátima em peregrinação e homenagem de fé.

Mas além destas duas cidades que tudo capitalizam e atraem, os portugueses e os turistas desconhecem a riqueza desta interessante província, das suas aldeias, vilas, lugares, das suas igrejas, capelas e ermidas, dos seus castelos, das suas gentes, costumes e tradições.

A capital de distrito está no mapa, mas parece não estar, não tem força centrípeta e gira em torno de eventos pontuais. Parece não saber aproveitar a sua centralidade no país, apesar de todo o seu legítimo orgulho e altivez conhecidos. Mas qual é a sua estratégia de futuro? O aeroporto, sabemos pela sua odisseia política, que em Santarém não fica. Por um lado ainda bem, acabava-se-nos o sossego. A população académica é também numerosa, e no ensino superior possui o Instituto Politécnico, que atrai jovens de variadíssimas regiões. É uma alegria ver toda esta juventude, mas como qualquer cidade académica, estes estudantes estão quase sempre de passagem e desconheço quantos permanecerão na cidade ou no distrito.

Urge ir desenhando uma estratégia que atraia sangue novo para esta cidade e a sua zona de influência. A população portuguesa está cada vez mais envelhecida, a “peste grisalha” está bem instalada e temos de pensar bem que futuro queremos deixar para os nossos filhos e netos.

Miguel Montez Leal

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