Os caciques não vão à escola

Hoje quase que não há jornalistas com carta de condução, porque Lisboa tem uma excelente rede de transportes e o jornalismo é caro, os governos fazem-no ainda mais caro, um jornalista que queira contar a epopeia do Parque do Relvão tem que falhar as idas ao Snob, os encontros com os Escárias desta vida.
Pensar globalmente e agir localmente é a frase que fica de um momento cimeiro dos tempos recentes que só é comparável noutras dimensões à queda do muro de Berlim e a tudo o que desmoronou a seguir, a tudo o que se ergueu também mas não é disso que quero falar aqui neste cantinho, neste jornal local/regional, editado para servir uma região e uma comunidade com a voz sumida, muitas vezes afónica, organizada como se fosse um grande quintal, dividido por cercas de arame farpado, num território onde os caciques compram com facilidade as propriedades de muros altos, daqueles a quem serviram, embora nunca cheguem a conquistar o mérito e a humanidade daqueles a quem conquistaram o mesmo estatuto, embora nunca o respeito e a dignidade, porque cacique não vai à escola, não lê, ignora o poder transformador das artes e de todas as ciências, o que ele sabe é o que dá a terra que nunca foi lavrada e semeada;
local e regional é o mesmo que dizer charneca, aldeia, ruína, floresta, municipal, entre tantos termos que dão significado à nossa História, que Alves Redol, José Saramago, Joaquim Veríssimo Serrão e tantos outros homens de letras souberam interpretar e deixar escrito, embora poucos de nós saibamos interpretar o que lemos e muitas vezes nem saibamos sequer ler, quanto mais interpretar, foi por isso que na morte de Sérgio Carrinho ninguém falou/escreveu sobre o Parque do Relvão, todos os jornais locais/ regionais incluíndo os de Lisboa e Porto, fizeram o obituário como se Sérgio Carrinho tivesse trabalhado 40 anos no exercício de um cargo público como um simples artesão de fazer colheres de pau, quem é que sabe o que é verdadeiramente o Parque do Relvão? e dos que sabem quem é que quer escrever nos jornais sobre a derrota e a humilhação de que a Chamusca foi vítima depois de Sérgio Carrinho ter sido o único autarca do país a pensar primeiro no interesse nacional e só depois no interesse do seu concelho e do bem-estar da sua população?
todos sabemos que sem omeletes não se fazem ovos, José Sócrates e antes Mário Soares e Álvaro Cunhal quiseram ter a comunicação social na mão, porque os jornalistas são os únicos intérpretes da realidade que a podem explicar ao mundo chamando os bois pelos nomes, por isso é preciso ter os jornais controlados, hoje quase que não há jornalistas com carta de condução, porque Lisboa tem uma excelente rede de transportes e o jornalismo é caro, os governos fazem-no ainda mais caro, um jornalista que queira contar a epopeia do Parque do Relvão tem que falhar as idas ao Snob, os encontros com os Escárias desta vida, não tem tempo para ir à televisão fazer um comentário em horário nobre, isto está mau para a democracia, para o interior do país onde o grande negócio é o eucalipto, e logo a seguir as estufas no Alentejo, onde o território já se equipara a Marrocos, por isso, em homenagem ao Sérgio Carrinho, fiquem lá com o aeroporto, com todos os aeroportos que quiserem construir, um dia destes há-de aparecer outro Sérgio Carrinho que bata com a mão na mesa e faça ver a estes merdosos dos políticos do Reino que os provincianos aceitam levar com o lixo em cima, com os camiões a entrarem pela casa adentro, mas alguém tem que ajudar a sustentar o Centro de Apoio Social da Carregueira, a construírem outra ponte sobre o rio Tejo ao lado da que já existe, que o resto nós fazemos, cá nos desenrascamos;
isto de viver por perto dos sobreiros não é assim tão mau como parece, temos pena é que a nossa gente continue a desprezar a educação dos filhos e nos saiam na rifa políticos locais que estudaram para caciques, sacanas que estão sempre prontos para se meterem a jeito de levarem umas palmadas, gente ordinária que não tem um mínimo de noção das suas tristes figuras, e para rematar que a prosa já vai longa, temos pena que o texto seja editado com uma pontuação à Saramago mas foi o que saiu, e como esta crónica não é para convencer ninguém, é muito provável até que a maioria dos leitores fique a meio do caminho, pois que se danem os falsos reformadores do Governo, os caciques que andam por aí a viver à custa do orçamento, e já agora que vou embalado que quem sair presidente da Câmara da Chamusca nas próximas eleições leve o Parque do Relvão em folhetos para o Rossio de Lisboa e faça uma campanha junto dos turistas nacionais e estrangeiros que certamente faz desabar a caliça do Carmo e da Trindade. JAE.