Usar frases com menos de três palavras abreviadas, saber uivar bem e desistir de contar anedotas
Apocalíptico Serafim das Neves
Apocalíptico Serafim das Neves
Lembro-me de um homem que vendia na praia, não sei se gelados, bolacha americana, ou bolas de Berlim, cujo pregão era qualquer coisa como: chora menino chora, que a mamã compra. A lembrança do vendedor surge-me, ao passar os olhos pelos jornais ou pelas redes sociais e noticiários de televisões. O seu pregão está por todo o lado. Fez escola. Deviam dar-lhe o prémio nacional de publicidade.
Quem aparece é quem mais chora. Activistas, sindicalistas, lobistas, partidaristas e outros sacristas. É uma choramingueira pegada. Se não choram não mamam. Nem aumentos, nem isenções, nem subsídios, nem, na maioria dos casos, um destaquezinho no alinhamento dos telejornais. É uma verdadeira chinfrineira… em manada, digamos assim.
É aqui e em todo o lado. Mesmo no caso das guerras, por exemplo. Há algumas que estão todos os dias nas notícias, nos protestos, nas indignações. São bem gritadas; carpidas por carpideiras profissionais; grafitadas; uivadas; choramingadas…
Outras, bem mais graves e sangrentas são ignoradas. Desaparecem. Extinguem-se mesmo quando estão cada vez mais acesas. Porque ninguém as uiva, nem chora, e o silêncio não sensibiliza ninguém, nem mesmo o silêncio dos mortos.
Nós não vamos ao teatro, mas adoramos fazer teatro. Teatro dramático, de preferência. Gostamos de guinchar, rebolar, seja na relva do campo de futebol, na fila para pedir uma casinha à câmara, ou na manifestação contra o abandono dos cães na altura das férias.
Não sei se te lembras de um repórter de uma televisão, que só fazia reportagens aqui na região, se as pessoas se amontoassem com cartazes e gritassem protestos, insultos ou palavras de ordem. Sem gritaria e espalhafato, não havia notícia. Se calhar também aprendeu no curso de marquetingue do vendedor da praia. Do quem não chora não mama.
Um dia destes, esqueci-me que já estamos em 2025 e tentei contar uma anedota. O resultado foi extraordinário. Tinha quatro ouvintes. Ao fim da primeira frase, dois começaram a ver coisas nos telemóveis. Ao fim de duas frases, o terceiro foi-se embora, e o quarto foi pedir mais duas imperiais. Fiquei a perceber porque sou um fóssil e porque há cada vez mais espectáculos da comédia em pé, ou ‘stand-up comedy’, como lhe chamam.
Já me explicaram que tenho que ser mais objectivo e curto, sem me preocupar com detalhes ou contexto, e evitar o humor subtil ou o duplo sentido. Frases com um máximo de três palavras abreviadas. Conselhos sábios. Servem para piadas e para tudo.
Como já te apercebeste, os títulos destes e-mails têm perdido palavras, tragadas pelo formato pré-definido no programa de paginação. Não tarda muito, em vez de e-mails, estamos a trocar SMS do Outro Mundo.
Termino com cinco curtas. “O teu segredo está seguro. Eu nem ouvi o que disseste!”; “Não sigas as minhas pisadas, eu também estou perdido!”; “Mau mesmo, é deitar-me no sofá e ter-me esquecido do comando da televisão”; “Graças aos trabalhos de grupo percebi porque os super-heróis trabalham sozinhos” e, a minha preferida: “Se o cérebro fosse uma rede social, talvez houvesse mais pessoas a usá-lo”.
Micro saudações
Manuel Serra d’ Aire