O elevador da Glória

Pode parecer um paradoxo, mas não defendo a demissão do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pelo simples motivo da Carris ser uma empresa com gestão própria e com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Já o mesmo não posso afirmar quanto ao Presidente da Carris. Não percebo como é possível alguém manter-se num cargo depois de ter visto d-e-z-a-s-s-e-i-s p-e-s-s-o-a-s m-o-r-r-e-r-e-m num equipamento gerido pela sua empresa.
Não tencionava escrever sobre a catástrofe que ocorreu no dia 3 de Setembro e que provocou 16 mortos. Tinha prometido a mim mesmo cumprir um período de nojo alargado em memória de cada um daqueles Seres Humanos que partiram. Só que tinha um nó no peito, resultado de tanta hipocrisia desavergonhadamente manifestada em entrevistas e artigos de opinião.
Faleceram dezasseis pessoas. Soletre comigo e muito devagar: d-e-z-a-s-s-e-i-s P-E-S-S-O-A-S. Podia ter sido o caro leitor que me lê neste preciso momento, ou um seu familiar. Não estamos a falar de números, mas de pessoas concretas, semelhantes a cada um de nós, com vidas específicas, com rotinas de trabalho e muitas delas a realizarem a sua viagem de férias de sonho.
Não, não foi Deus que as chamou. Deus serve sempre de álibi para os erros dos homens e tem as costas largas para a imposturice.
Porque não existiu qualquer atentado, o desastre do elevador da Glória resultou da incompetência humana. Não foi um acaso. O acidente era evitável e emana directamente da incompetência, desleixo e erros de gestão, sejam eles quais forem. Caso contrário, nunca aquelas mortes teriam acontecido.
Soletre comigo e muito devagar: dezasseis pessoas morreram por i-n-c-o-m-p-e-t-ê-n-c-i-a e e-r-r-o-s c-o-n-c-r-e-t-o-s de o-u-t-r-a-s p-e-s-s-o-a-s!
Importa então apurar responsabilidades, algo que os portugueses abominam. Em Portugal nunca ninguém é, efectivamente, responsável por nada. Ou, se se assume algo, nunca se tiram as necessárias consequências dessa aceitação.
A palavra "responsabilidade" significa, literalmente, a qualidade de ter que responder por algo, ou a obrigação de responder por actos próprios ou alheios, ou por uma coisa confiada. Logo, assumir a responsabilidade é reconhecer e aceitar o encargo das próprias acções e as suas consequências, em vez de atribuir culpas ou inventar desculpas.
Uma vez mais, nada disso aconteceu no acidente do elevador da Glória. E morreram 16 pessoas!
Pode parecer um paradoxo, mas não defendo a demissão do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pelo simples motivo da Carris ser uma empresa com gestão própria e com autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Já o mesmo não posso afirmar quanto ao Presidente da Carris. Não percebo como é possível alguém manter-se num cargo depois de ter visto d-e-z-a-s-s-e-i-s p-e-s-s-o-a-s m-o-r-r-e-r-e-m num equipamento gerido pela sua empresa.
Que terá posto o lugar à disposição. Bom, essa coisa de se colocar um lugar à “disposição” configura um acto de suprema hipocrisia e de cobardia. Numa qualquer estrutura orgânica, qualquer dirigente tem sempre o seu lugar à disposição do seu superior hierárquico. O que o Presidente da Carris deveria ter feito era, pura e simplesmente, demitir-se e ir-se embora.
Porquê? Porque é a pirâmide da estrutura organizacional e, desse modo, o principal responsável por tudo o que lá se passa, para o bem e para o mal. Quem não concorda com esta perspectiva, nunca deveria aceitar uma nomeação para cargos de nível superior. Se esta catástrofe tivesse acontecido numa empresa privada, o que acham que já teria acontecido?!
A tecnologia existente em todos os elevadores e ascensores Lisboetas é obsoleta. Visitem-se os congéneres suíços e observarão, imediatamente, p.e., os sistemas de cremalheiras, onde o elemento central é um trilho dentado (a cremalheira) que se estende pela via.
Por último, seria fundamental saber se alguém, alguma vez, propôs algum investimento para uma total renovação tecnológica dos elevadores de Lisboa. E se sim, quem recusou esse investimento?
P.N.Pimenta Braz