Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes

O tempo de descanso e lazer é essencial para o espírito e qualidade de vida, mas muitas câmaras municipais apostam mais em festas, do que em verdadeira cultura. Nos finais do século XIX, Ramalho Ortigão afirmava que era rara a casa de um português com livros. E agora?!
Este adágio popular que já alcançou a provecta idade de quase 220 anos chegou aos dias de hoje e refere-se à estada que o general Junot fez em Abrantes, entrando pela Beira, no que constituiu a primeira invasão francesa (1807) no contexto da chamada Guerra Peninsular.
Em Lisboa, o Príncipe Regente, d. João, antes de partir para o Brasil, com um plano muito bem arquitectado com os nossos aliados ingleses, hesitava e por isso se afirmava “alto e bom som” que tudo permanecia igual, estando as tropas francesas em território nacional.
Actualmente, Abrantes, cidade que muito se modificou nos últimos trinta anos, revela pujança nos seus sectores agrícola e industrial. Encontrando-se no Norte do antigo Ribatejo, possui nos nossos dias cerca de 17 mil habitantes.
O seu património cultural assenta maioritariamente nas suas Igrejas, capelas, no seu castelo, nas quintas dos seus arredores e nos museus municipais, como o de D. Lopo de Almeida, criado em 1921, em plena primeira República. D. Lopo de Almeida, nasceu em 1416 e faleceu em 1486, tendo sido alcaide-mor e o primeiro conde de Abrantes, título atribuído pelo monarca D. Afonso V em 1476.
E nos últimos anos, bem próximo do que resta do castelo medieval, encontramos o MIAA (Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes), inaugurado em 2021. Este museu é recente e gostaria de conhecer o seu número actual de visitantes por ano.
Existe uma característica bem portuguesa, viajar para o estrangeiro e conhecer bastante mal o nosso território nacional e o seu património histórico-cultural. Também quando um português, fruto das vicissitudes de um difícil e periclitante mercado de trabalho, fica sem trabalho, mais depressa emigra, indo para outro país ou continente, do que muda de província, exceptuando os grandes centros populacionais de Lisboa, Porto, Braga, Sintra e Amadora, Almada e as suas vizinhanças.
O MIAA, instalado no antigo convento de S. Domingos (erigido no século XVI), é um projecto com autoria e intervenção do arquitecto Carrilho da Graça que ganhou o prémio Nuno Teotónio Pereira. Neste museu do maior interesse para o público escolar, para os naturais desta cidade e seu território e para o turista nacional e estrangeiro, podemos observar o substrato e as camadas dos povos e civilizações que deram origem aos portugueses, um dos povos, tal como os nossos vizinhos espanhóis, herdeiros de um cruzamento cultural e de muitíssimas origens étnicas, uma das maiores do continente europeu. Esta herança cultural deu origem a uma identidade muito vincada, a portuguesa e a Península, a Península Ibérica, é um território único de que todos nos deveríamos orgulhar.
É natural, legítimo, cada cidadão tem a sua maneira de ser, os seus gostos e preferências são diferentes, ninguém é igual (felizmente), mas muitas vezes lamento que a vida dos nossos concidadãos se centre quase única e exclusivamente no consumo, na ida ao shopping, nas férias de praia, no futebol, no trabalho…sobram poucos momentos de lazer, o cansaço acumula-se e é difícil chegar monetariamente com conforto até ao fim do mês. Muitos de nós, conjugamos dois trabalhos ou dois empregos, a vida não está fácil.
Mas serão todos os povos europeus assim? Creio que não. Falta ainda tanto por fazer no que diz respeito à educação e cultura, embora o país tenha melhorado consideravelmente no último meio século. O tempo de descanso e lazer é essencial para o espírito e qualidade de vida, mas muitas câmaras municipais apostam mais em festas, do que em verdadeira cultura. Nos finais do século XIX, Ramalho Ortigão afirmava que era rara a casa de um português com livros. E agora?!