Faz sentido um dia de reflexão?

O “dia de reflexão”deve evoluir de um silêncio total, pensado para cartazes e palanques, para um silêncio seletivo e inteligente, desenhado para o mundo digital, proibindo pagamento e amplificação. Essa é a forma adulta de proteger a liberdade de escolha.
Em Portugal, o “dia de reflexão” nasceupara proteger a serenidade do voto. Mas, em pleno ano de 2025, a regra do silêncio total choca com a realidade: o que foi publicado antes da meia-noite continua a circular impulsionado por algoritmos, enquanto explicações e correções de última hora ficam amordaçadas. O resultado é paradoxal: limita-se a expressão orgânica dos cidadãos e, ao mesmo tempo, deixa-se intacta a pegada digital de quem investiu mais cedo e mais forte.
Olhando para fora, há soluções mais ajustadas. França e Espanha mantêm janelas curtas de silêncio, sobretudo mediático. O Reino Unido permite campanha no próprio dia, salvaguardando a neutralidade dos media e o perímetro das urnas. Nos EUA não há “dia de reflexão”, apenas zonas de proteção junto às assembleias de voto. A lição é simples: o que conta não é calar tudo, é travar a influência desproporcional e proteger o espaço físico do voto.
Deixo como proposta acabar com a proibição generalizada de expressão orgânica de cidadãos nas 24 horas anteriores e no próprio dia de votação e concentrar o silêncio onde ele faz sentido. Isto implica (i) proibir e fiscalizar publicidade paga e qualquer forma de amplificação remunerada (anúncios, “boosts”, influenciadores), desde a véspera até ao fecho das urnas; (ii) reforçar a proibição de campanha no interior e imediações dos locais de voto; e (iii) exigir transparência integral das páginas de anúncios políticos e sanções efetivas para quem contornar as regras.
Ganha a exequibilidade: o Estado consegue auditar dinheiro, não opiniões. Ganha a equidade: limita-se o poder económico, não a voz do eleitor. E ganha a qualidade da informação: permite-se desmentir falsidades sem abrir a porta a operações de propaganda massiva.
O “dia de reflexão”deve evoluir de um silêncio total, pensado para cartazes e palanques, para um silêncio seletivo e inteligente, desenhado para o mundo digital, proibindo pagamento e amplificação. Essa é a forma adulta de protegera liberdade de escolha.