Opinião | 29-10-2025 15:36

Nas vésperas do S. Martinho na Golegã

Nas vésperas do S. Martinho na Golegã
Miguel Montez Leal

Uma viagem pela região para recordarmos a feira de S. Martinho na Golegã, o património e as tradições ribatejanas que se vão mantendo e, em alguns casos, melhorando para que se adaptem aos novos tempos.

O S. Martinho está prestes a chegar e começam a vender-se as castanhas assadas, cozinhadas com um pequeno golpe longitudinal e temperadas com sal grosso, ou bebe-se água-pé ou jeropiga, e de terra para terra existem pequenas diferenças semânticas nestas tradições, tradições essas sempre em transformação.

Os ribatejanos gostam de sentir este aroma, que pré-anuncia os rigores do Inverno, o tempo frio e chuvoso, a feira da Golegã e a sua homenagem ao cavalo lusitano, as feiras tradicionais que modestamente ainda resistem à voragem dos tempos pós-contemporâneos. As cheias de antanho já raramente inundam as duas margens do Tejo, o nosso Nilo garrettiano.

Muitos são os que se deslocam à Golegã, que nos faz recordar a feira de Abril de Sevilha, com as suas casetas, cartazes tauromáquicos e os belos e ajaezados cavalos lusitanos, as atrelagens, na altivez própria que quase todo o ribatejano tem, um povo que não se verga a ninguém, que endireita as costas e que enfrenta a vida com coragem.

No Largo do Arneiro e à sua voltam desfilam cavaleiros e amazonas, nas casetas reunem-se clãs e os seus amigos.

Neste Concelho destacam-se, no seu perímetro, a Quinta da Broa, a Quinta da Cardiga e tantas outras. Também na aldeia da Azinhaga, o seu vulto literário, José Saramago, cada vez mais marca a cultura e a sua paisagem histórico cultural.

Além destes atractivos a Golegã, nome que parece vir, segundo a lenda, de uma Venda, uma pequena estalagem, de uma galega, encontramos ainda o museu do escultor Martins Correia, e a história e tradições orais de Carlos Relvas e o seu maravilhoso estúdio fotográfico que chegou aos nossos dias. Desavindas as duas gerações desta família Relvas, o seu filho José, veio para Alpiarça a mandou erigir a casa da Quinta dos Patudos, traçada pelo famoso arquitecto Raul Lino, sendo a mansão ribatejana, com maior número de divisões.

A Quinta da Cardiga há muitos anos à espera de melhores dias vai finalmente ser transformada num hotel de grandes dimensões, espero que respeitando a sua arquitectura, a sua história, e a sua riqueza interior. Doada por D. Afonso Henriques aos cavaleiros templários, possui actualmente mais de 850 anos de existência. Ao longo destes séculos passou por variadíssimas famílias, mas está indelevelmente ligada à família Sommer e Sommer de Andrade, pois foram estes os seus últimos proprietários e que a habitaram.

Esta propriedade tem muitos séculos e atravessa a história de Portugal, tendo tido diferentes funções e passando por várias famílias e os seu entrecruzar de ramos. O tempo não tem misericórdia e tudo se esvai, se não for combatido a tempo. Chegou a altura de dar uma nova vida a esta quinta-monumento, pois os edifícios desabitados e sem função vão-se irremediavelmente perdendo. Num país tão rico em história, como Portugal, seria uma pena que esta memória física e histórico-cultural se perdesse.

Chegamos a S. Martinho, e à lenda de S. Martinho de Tours, um soldado romano gaulês que viveu no século IV depois de Cristo. Este militar romano, cruzando-se com um enregelado viandante e mendigo, cobriu-o com a sua capa, salvando-o assim de morrer petrificado pelo rigor do Inverno. Martinho converteu-se ao cristianismo e este seu gesto e nobre atitude, simboliza o possibilitar conforto a quem mais o necessita, e entre muitos outros significados, sublinha-se o seu despojamento e a purificação da conversão aos ideais cristãos.

Quanto à celebração báquica, profundamente mediterrânica e pagã, é hora de nos encontrarmos, de convivermos, de brindarmos à Vida. O frio e as intempéries estão à porta, mas o conforto destes dias, em que se acendem as lareiras e se come, talvez, mais do que se devia, devolve-nos a alegria. Os olhos brilham, há risos e sorrisos, cumplicidades, amizades cultivadas e renovadas, revigora-se o corpo para enfrentar o húmido Inverno do vale do Tejo, nesta província que nos preenche a alma e à qual sempre queremos voltar, pois é a nossa casa, o nosso chão, o nosso tecto.

Os choupos e salgueiros bailam sobre o Tejo e a nossa mente transporta-nos, ora para o passado, ora para as saudades do futuro, que todos temos, mesmo que inconscientemente. Brindemos ao S. Martinho!

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