O elogio a Francisco Pinto Balsemão, Maria Laura Santana Maia, José Rodrigues Miguéis e João Mário Grilo
Crónica sobre “um país que já não existe”, o pai que todos os jornalistas gostavam de matar, o autor de “O Milagre Segundo Salomé”, e uma mulher Juíz que vai ficar na História da Justiça em Portugal.
A morte de alguém que admiramos ou nos é querido não é suficiente para escrevermos o que nos vai na alma de forma a interessarmos quem nos lê. Na maioria das vezes somos piegas ou escrevemos com os sentimentos embotados. Francisco Pinto Balsemão era uma inspiração desde que me proporcionou entrar um pouco no seu mundo. Já escrevi aqui que fui visitar o fecho de uma edição do jornal O Almonda antes de me balançar a editar o primeiro número de O MIRANTE, mas só alguns anos depois, quando acompanhei pela primeira vez um dia de trabalho das chefias do Expresso, na véspera do dia do fecho, é que percebi o filme em que já estava metido há muito tempo, revendo cenas que eu já vivia, embora sem a dimensão e o dramatismo que observei naquela tarde de trabalho em Paço D’arcos. Era uma semana em que toda a imprensa queria saber o paradeiro de um político, que andava nas bocas do mundo, e os jornalistas do Expresso, usando o calão que eu já conhecia, mas não dominava, passaram mais de uma hora a tentar abrir caminho para terem a manchete que perseguiam.
Francisco Pinto Balsemão sempre foi reverenciado pela concorrência. Nos congressos de jornalistas era sempre a referência. Fumou muitos cigarros e arregaçou muitas vezes as mangas da camisa trabalhando muitos anos como editor ao lado de grandes jornalistas como ele. O mister do saber fazer é viciante, trabalhar em favor da democracia das instituições pode ser uma missão acima de todos os nossos interesses materiais e até mentais. Quem dirige um órgão de comunicação social tem que brigar muito com quem trabalha porque ninguém quer ao seu lado jornalistas doentes, amestrados, preguiçosos, cobardes ou mentirosos. Nos últimos anos Francisco Pinto Balsemão era só o patrão. Não sei em que dia deixou de trabalhar lado a lado com os jornalistas no fecho da edição, nem isso interessa agora. O facto de ter mantido a carteira profissional, e ser um patrão sempre presente, dava-lhe a fama e o proveito de ser o pai que todos os jornalistas do Expresso gostavam de matar.
Nestes últimos dias em que muito se escreveu sobre Francisco Pinto Balsemão, só Miguel Esteves Cardoso acertou em cheio num dos seus escritos diários no jornal Público. Francisco Pinto Balsemão “era um pai que se deixava matar, queixava-se, mas secretamente achava bem. Os jornalistas têm que ser estupores. Têm mesmo de morder a mão que lhes dá comer para não parecerem dóceis, para não passarem por bichos de estimação ( : ) Balsemão deixava fazer. Pagava para ver. Dava oportunidades. Dava constantemente o benefício da dúvida: ele não concordava, mas admitia que podia não ter razão e, como tal, deixava que se fizesse, pagava para se ver. É muito, muito difícil gerir jornalistas. Os jornalistas (se forem bons) são gente desconfiada, rebeldes, resmungões, insatisfeitos e provocadores”.
Deixo aqui três notas de uma semana em que trabalhei muito e não vi trabalho feito. A primeira é sobre a morte da Maria Laura Santana Maia. Maria Laura é uma mulher que vai ficar para a História da emancipação das mulheres que não passa pela boca dos políticos e activistas de serviço. Aos trinta anos, depois de ficar viúva, começou a estudar Direito, até ver chegar o dia em que foi nomeada juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, cargo que foi atribuído pela primeira vez a uma mulher; foi ainda durante muitos anos docente do Centro de Estudos Judiciários tendo marcado a vida de muitos profissionais da Justiça.
No fim-de-semana fui rever uma cópia restaurada do filme “A Estrangeira” do cineasta João Mário Grilo. Não fui só pelo filme, fui porque depois do filme iam subir ao palco o realizador e o produtor Paulo Branco. A conversa foi curta, mas serviu como lição uma vez que se falou de “um país que já não existe”.
Por causa do trabalho faltei na segunda-feira à inauguração de uma placa na rua da Saudade, 12, em Lisboa, onde nasceu José Rodrigues Miguéis. A placa só foi possível devido a uma petição pública. Só por isso valia a presença nem que fosse para ser solidário. O problema é que eu não sou de Lisboa, só durmo lá de vez em quando. José Rodrigues Miguéis é daqueles escritores de cabeceira cujos livros só se encontram nos alfarrabistas. JAE.


