A comer maltodextrina e goma de guar com fosfatídeos de amónio e a escrevinhar para o boneco
Assertivo Serafim das Neves
Assertivo Serafim das Neves
Estava a comer um geladinho de morango e como a caixa estava no fim, pus-me a ler a composição do mesmo. Muito se aprende nestas alturas e muito se fica a perceber da complexidade do mundo. Uma alma simples diria, de imediato, que o gelado tinha leite, natas, açúcar e morangos. A coisa é bem mais complexa. São trinta e cinco ingredientes. E para além destes, o gelado pode conter ainda, resíduos de centeio, cevada, aveia, ovos, amendoins, soja, amêndoas e avelãs.
Alguma vez ouviste falar em diglicéridos de ácidos gordos, fosfatídeos de amónio, lecitina de girassol, goma de guar, carragenina, anato, antocianinas, ou maltodextrina? Pois, eu também não. Mas passamos o Verão a enfiar aquilo e outras coisas ainda mais esdrúxulas pela garganta abaixo, com enorme satisfação. Papamos tudo, seja norbixina de anato, antocianinas ou comentários e promessas eleitorais.
Há quem fale sobre economia, política, habitação, guerra, imigração e até gelados de morango, se lhe pedirem para o fazer, com aquela desenvoltura de quem tudo sabe, mas não é o meu caso. Sou um empedernido e assumido ignorante que nunca se cansa de abrir a boca de espanto com a sapiência dos nossos concidadãos, políticos e opinadores.
Volto ao tema das polícias municipais, prometidas na campanha para as eleições autárquicas, para explicar aos mais entusiastas que os presidentes de câmara não vão comandar essas polícias, apesar de poderem usar a farda, se for essa a sua vontade. E, eventualmente, ligar as luzes e sirenes dos carros, em dias de aniversário, por exemplo.
Mas, infelizmente para os mais enérgicos, não poderão usar cassetete, chanfalho, bloco de multas, ou outro instrumento que venha a equipar a dita cuja.
Decidem sobre a organização e actuação da polícia municipal e nomeiam o comandante, que fica na sua dependência, mas como já acontece noutros sectores, como o calcetamento de passeios, recolha de lixo ou reparação de condutas de esgotos, não metem mãos à obra, digamos assim. Apenas dão ordens como; multa, prende, afinfa-lhe, ou arreia-lhe, por exemplo.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) voltou à carga, avisando que, quase metade dos adultos portugueses (46%) tem muita dificuldade em interpretar e compreender textos, entendendo apenas mensagens muito curtas, simples e com informação mínima.
O aviso daquela organização, que engloba trinta e tal países, entre os quais Portugal, não chegou a tempo das eleições autárquicas. Ou se chegou, não foi tido em conta por alguns partidos políticos aqui da região. É verdade que a maior parte da propaganda foi feita através das redes sociais com mensagens tão curtas que, por vezes, em vez de palavras, tinham memes, emojis e abreviaturas, mas ainda recebi, na caixa do correio, autênticos livros com os programas eleitorais de partidos clássicos, digamos assim, e amigos das tipografias. Listas de coisas e loisas que, segundo a OCDE, metade dos eleitores não poderia compreender, mesmo que se desse ao trabalho de ler.
Saudações literárias
Manuel Serra d’Aire


