Opinião | 14-11-2025 20:39

A alternativa ao gás natural russo não é fatalmente o gás natural dos EUA

António Redol é um dos 18 subscritores deste artigo

No caso do petróleo, enquanto se estimam custos de extracção de 3-5 dólares por barril nos países do Médio Oriente, cerca de 20-25 dólares por barril do Mar do Norte e mais de 30 dólares por barril no Texas, o petróleo de origem nos xistos betuminosos tem custos de extracção de 60-70 dólares por barril, pelo que se compreende que os EUA, para nãodeixarem inviabilizar este novo tipo de produção, não podem deixar que o preço de venda do petróleo no mercado possa vir abaixo daquele último valor.

A comunicação social e os comentadores televisivos têm procurado convencer-nos de que se não for a Rússia a fornecer a Europa de gás natural, só os EUA o poderão fazer. Nada de mais falso. Quais as razões de tal falsidade? Assustar o público e prepará-lo para medidas drásticas? Justificar a compra de gás natural mais caro com origem nos EUA sem que haja interrogações?
Portugal, por exemplo, desde 2003 importa gás natural da Nigéria na forma de gás natural liquefeito (GNL, ou LNG na linguagem anglo-saxónica), recebido em instalação em Sines onde chega liquefeito por barco metaneiro, de novo gaseificado em instalação própria e distribuído pelo país como gás através de gasodutos. Ou da Argélia desde os anos 90, através de gasoduto que atravessa o Mediterrâneo e chega a Espanha, sendo depois enviado para Portugal por gasoduto. Alimenta indústrias, consumidores domésticos e a central de ciclo combinado do Carregado. A velha central com 6 grupos alimentados a fuelóleo já foi desactivada. Também estava preparada para queimar gás natural.
Portugal, além da Nigéria com uma contribuição de cerca de 50%, também recebe GNL dos EUA, Trinidad e Tobago, Rússia, Angola e Guiné Equatorial. Não necessita do gás dos EUA, muito mais caro, mas fá-lo.
O autor do presente texto trabalhou na EDP e na REN prevendo a evolução dos preços dos combustíveis a 30 anos. Nessa altura, o preço do gás natural importado estava indexado ao preço do petróleo, tal como o preço do carvão e do urânio, e de muitos outros produtos. Mais recentemente essa relação desfez-se em parte, embora ainda haja alguma correlação. As fórmulas para aquisição de gás natural por contrato com que o autor deste texto trabalhou eram confidenciais, mas tinha o aspecto seguinte para o gás natural nigeriano:

P= Po (a LF/LFo + b G/Go + c I/Io)

em que P era o preço do gás natural na origem, L a cotação do fuelóleo no mercado “spot” de Roterdão, G a cotação do gasóleo no mesmo mercado, I índice de preços no consumidor da União Europeia. Os parâmetros a, b e c eram quantificados , mas a confidencialidade continua. O preço do gás natural argelino era indexado a um cabaz de petróleos de várias origens. Mas voltando à questão das disponibilidades de gás natural, vejamos as reservas designadas por “razoavelmente asseguradas” dos países com maiores valores, fornecidos pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), no ano 2018:

Reservas em 10 9 metros cúbicos (m3)
Rùssia 50.600
Irão 33.800
Qatar 23.800
EUA 9.000
Arábia Saudita 8.700
Turquemenistão 8.700
Emiratos A.Unidos 6.000

Venezuela 5.700
Nigéria 5.600
Argélia 4.500
Iraque 3.700

Noruega 2.300

Os EUA são o maior consumidor mundial de gás natural, na indústria, no consumo doméstico e na produção de energia eléctrica, neste caso com uma participação de 43% do gás natural (17% com energias renováveis, 15% com carvão, 18% com nuclear) e são também, desde há poucos anos o maior produtor, desde que começou a obter gás natural, tal como petróleo, dos xistos betuminosos, o designado por “gás de xisto” , “shale gas” em linguagem anglo-saxónica. Assim, em 2023, os produtores de gás natural eram os seguintes, segundo o World Energy Outlook, publicação anual da Agência Internacional de Energia, a qual publica estatísticas de todo o mundo há muitos anos:

Produção em 10 9 m3:
EuA 1035 Noruega 116
Rússia 586 Arábia Saudita 114
Irão 252 Argélia 101
China 234 …
Qatar 181 Nigéria 43
Austrália 151

Os EUA deram um grande salto em termos de produção de gás natural quando conseguiram extrair este combustível dos xistos betuminosos. Também o Canadá o faz.
Para comparação, em 1995, as reservas de gás natural “razoavelmente asseguradas” eram as seguintes:

Reservas em 10 9 m3
Ex-URSS 56.000
Irão 21.000
Qatar 7.100
Arábia Saudita 5.200
Abu Dhabi 5.300
EUA 4.600
Venezuela 3.700
Argélia 3.600
Nigéria 3.400
Iraque 3.100

As diferenças para os valores do ano de 2018 justificam-se por descoberta de novas reservas ou diferente avaliação das existentes. Mas também, muitas vezes, para valorizarem a sua posição na OPEP, os produtores de petróleo e gás empolam as suas reservas. Mas esta comparação esclarece como, no caso dos EUA, a consideração do gás de xisto mudou o panorama mundial do gás natural, com0 também aconteceu com idêntica descoberta no petróleo.
Todavia, o gás de xisto tem um custo de produção muito mais elevado do que o de extracção tradicional. São valores mal conhecidos, que raramente aparecem em publicações e sempre por estimativa, porque são altamente confidenciais os preços do gás adquirido por contrato, diferentemente do que é vendido em mercado livre designado por “spot”, com cotações transparentes. O mesmo sucede com o petróleo, o carvão e o urânio. Sabe-se que, no caso do petróleo, enquanto se estimam custos de extracção de 3-5 dólares por barril nos países do Médio Oriente, cerca de 20-25 dólares por barril do Mar do Norte e mais de 30 dólares por barril no Texas, o petróleo de origem nos xistos betuminosos tem custos de extracção de 60-70 dólares por barril, pelo que se compreende que os EUA, para não deixarem inviabilizar este novo tipo de produção, não podem deixar que o preço de venda do petróleo no mercado possa vir abaixo daquele último valor. Com o gás natural acontecerá o
mesmo, Isto é, custos de produção muito mais elevados do que o gás extraído directamente do solo. O que se pensa é que os EUA vendem gás natural à União Europeia a cerca do dobro do que esta comprava à Rússia. Por isso, o consumo deste gás na Europa diminuiu drasticamente desde 2022.
Para comparação com os custos de produção do petróleo referidos atrás, recorde-se que a cotação do petróleo do Mar do Norte, o Brent, entre 2022 e início de 2025, variou entre 90 e 130 dólares o barril, embora em Julho e Agosto últimos tenha caído para 82 dólares e em 14 de Novembro de 2025 para 62,5. O petróleo do Texas um pouco menos. De qualquer modo veja-se como os lucros das empresas petrolíferas serão imensos. Os encargos de transporte por navio do Médio Oriente para Lisboa, por exemplo, remontam a poucos dólares por barril transportado.
Voltando ao gás natural, os exportadores de GNL - o que interessa à União Europeia, por não ser possível receber o gás natural por gasoduto de muitos dos países produtores - são EUA, Rússia, Qatar, Austrália, Angola, Malásia, Nigéria e outros mais pequenos, de que, por exemplo, Portugal se socorre. Alguns outros produtores poderão vir a juntar-se a este grupo, se realizarem os elevados investimentos em unidades de liquefação do gás, nos equipamentos de carga nos portos, nos navios transportadores e os países recebedores em equipamento de gaseificação.
Principalmente por gasoduto, a Noruega foi o maior fornecedor da União Europeia em 2023 e 2024, com cerca de metade do volume adquirido, seguindo-se ainda a Rússia, e os EUA por GNL. A Noruega, não tendo das maiores reservas, exporta quase 70% da sua produção e está ligada à Alemanha por gasoduto.
Os EUA duplicaram os seus fornecimentos de GNL de 2021 para 2024 e a Rússia continua a fornecer países da União Europeia, apesar das sanções. Em 2024, a Rússia forneceu GNL à União Europeia em montante nunca antes atingido. Por outro lado, havendo tantos fornecedores potenciais de GNL e a Noruega também poder fornecer por esta via, só se justifica o fornecimento tão elevado dos EUA devido às pressões políticas e ao pacote negociado com as taxas alfandegárias.

A Argélia fornece gás natural a Espanha, Portugal e Itália por gasodutos que atravessam o Mediterrâneo. Dois gasodutos ligam a Argélia a Espanha, mas o que passa por Marrocos foi desactivado pela Argélia devido ao corte de relações com aquele país. Mas tal situação pode evoluir.
Verifica-se, pois, que a alternativa não é Rússia/ EUA. Muitos outros países podem fornecer a União Europeia de GNL e gás natural por gasoduto.

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