O Melhor Azeite do Mundo
Apenas vos posso confirmar, com a humildade de quem apenas segue a natureza , que consigo obter o melhor azeite do Mundo. Puro. Límpido. Verde. Notas a limão , rúcula, sol maduro .. e outros toques únicos. Não. Infelizmente não encontram do meu azeite por aí.
Não foi fácil. Demorou, mas valeu cada gota de suor. Passámos a semana passada na apanha da azeitona: eu e a minha esposa, sol a sol, bago a bago, de oliveira em oliveira, como abelhas em busca do pólen mais doce. Sabíamos que seria duro, que o corpo cederia antes da vontade, mas quem corre por gosto não se cansa, apenas descansa.
Este ano, o esforço foi a dobrar. Além de colher a azeitona, houve que arriar as oliveiras, apará-las, prepará-las para os próximos anos. Cortámos, transportámos, empilhámos toneladas de lenha. Felizmente, o tempo foi generoso: nem vento, nem chuva, nem calor. Um outono perfeito, desses que convidam a estar em qualquer parte do mundo: na cidade, na praia ou, melhor ainda, no campo, entre troncos retorcidos e folhas prateadas. E, depois de tanto esforço, lá estava ele, o prémio líquido, verde e luminoso, o melhor azeite do mundo. Assim tem sido, ano após ano: a mãe natureza a surpreender-nos e a recompensar-nos todos os anos.
Mas como se chega aqui? Como se faz o melhor azeite do mundo? E por que razão Portugal, terra de oliveiras milenares, nem sempre reflete essa riqueza nas prateleiras dos supermercados?
Voltemos atrás. Meio século basta. Anos 60,70 e a minha infância. Portugal, de norte a sul, era então um imenso manto de oliveiras. Centenárias, robustas, sábias. A Galega reinava. A apanha era longa, manual, feita de mãos calejadas e de tempo, muito tempo. Trabalhadores migravam em “ranchos”, famílias inteiras que viviam meses longe de casa, em abrigos improvisados, ao serviço da colheita.
A azeitona apanhava-se madura, preta, lustrosa, quase a chorar azeite. Era preciso aproveitar cada bago, mas se o ano fosse de São Pedro, chuvoso, de “gafa” ou da mosca da azeitona, o trabalho tornava-se um suplício. As azeitonas amontoadas em sacos de serapilheira à porta dos lagares apodreciam ao sol e à chuva . O fruto cozia, oxidava e o azeite ganhava grau, corpo e um travo a ranço que, pasme-se, se tornara hábito de paladar.
Os lagares eram de outro tempos, pouco tendo evoluído ao longo dos séculos: lentos, sombrios, impregnados de cheiro a pedra e bafio. E, embora as nossas oliveiras fossem as melhores do mundo, o azeite não o era. Poucos desciam abaixo de 1 grau ; o comum rondava 2, 3 ou mesmo 4. Era espesso, gorduroso, denso. Natural, sim. Autêntico, também. Mas longe de divino. O ouro líquido era nesses dias, mais sonho do que realidade.
Cinco décadas passaram e a transformação fez-se. Nem tudo foram/são rosas. Arrancaram-se e deixaram-se ao abandono olivais seculares. Tudo em nome dum subsídio vitalício. A produção de azeite baixou. A mão de obra desapareceu. Mas, há que olhar em frente e avançar. Muito à boleia do exemplo espanhol, plantaram-se novos olivais, mecanizáveis, mais produtivos. Os lagares modernizaram-se, o ferro substituiu a pedra, a centrifugação passou a filtar o azeite. A temperatura de processamento baixou, o tempo encurtou. Colhe-se de manhã e, ao cair da noite, o azeite já repousa em cubas de aço, límpido, fresco, perfumado. Graus abaixo de 0,5. Pura seda vegetal. Meus senhores e minhas senhoras: “Apresento-vos o melhor azeite do mundo”.
E, no entanto, voltamos sempre à mesma pergunta: se temos o melhor azeite do mundo, porque é que aquele que se vende nas prateleiras não sabe a nada? Porque é baço, caro, azedo? Porque lhe roubaram o verde, o sabor, o perfume ? Talvez porque se perdeu a alma. Reina o negócio. Fazem-se lotes ? Vende-se gato por lebre ? Vende-se azeite antigo ? Perguntas sem respostas. Perguntas em vão.
Apenas vos posso confirmar, com a humildade de quem apenas segue a natureza , que consigo obter o melhor azeite do Mundo. Puro. Limpido. Verde. Notas a limão , rucula, sol maduro .. e outros toques únicos. Não. Infelizmente não encontram do meu azeite por aí. Bem está na hora de molhar uma boa fatia de pão de Rio Maior no (meu) nectar dos deuses.


