O Ribatejo merece mais e melhor
O Ribatejo está numa zona de charneira, numa encruzilhada de que parece não saber tirar partido. A menos de cinquenta minutos de Lisboa, que tem a força centrípeta que sempre a caracterizou, continua a ter, cinquenta anos após a revolução do 25 de Abril de 1974, más estradas secundárias e fracas ligações ferroviárias em termos de tabela horária.
Ao lermos documentação do século XVII, ou até de séculos anteriores, verificamos que a região do Ribatejo correspondia às povoações que bordejavam e contornavam o rio Tejo. Em Azeitão, por exemplo, onde muitos nobres veraneavam nas suas quintas para fugir aos calores do Estio, a deslocação era de barco até Alcochete, Vila Franca de Xira ou Lisboa. A província do Ribatejo de que ainda hoje todos falamos existiu formalmente apenas quarenta anos, desde 1936 até 1976. Quem nasceu nesta zona nos inícios dos anos 30 do século XX ou nos finais do século XIX, fazia parte da Estremadura. Recordo-me da minha mãe me contar que um dos meus bisavós, nascido em Leiria em 1877, teve um grande desgosto quando passou de estremenho para ficar a pertencer à Beira Litoral! “Beirão ?!” terá dito… Na altura tinha 59 anos e sempre se considerou estremenho. De supetão, administrativamente, viu ser modificada a denominação da sua província natal.
É certo que esta região tem uma identidade histórico-cultural muito forte. Possui apenas um maciço montanhoso, a Serra de Aire e Candeeiros e vizinho a Serra do Montejunto. Depois existem dois ribatejos, o da margem norte e o da margem sul, que se complementam, mas que possuem, também, identidades com diferentes características. Associada a toda esta região temos a cultura do cavalo, das touradas, do vinho, do folclore, do artesanato, das feiras e romarias, das planícies sem fim com as terras mais férteis de todo o país. O Ribatejo é, de certa forma, a Andaluzia portuguesa. Generalizando, o ribatejano é altivo e não se curva perante nada, nem ninguém. É, por natureza, guerreiro, corajoso, frontal e sem papas-na-língua
Mas toda esta cultura já a conhecemos de sobra. Gosto de falar sobre um outro Ribatejo menos conhecido e divulgado, o dos escritores, jornalistas e artistas. E a lista não é pequena. Este ano celebraram-se os 500 anos da morte de Camões e o nosso grande vate andou por estas terras, Santarém, de onde a sua mãe era natural, Constância, onde parece que se terá refugiado. No Ribatejo destacam-se grandes personalidades literárias como Álvaro Pais, Frei Luís de Sousa, Lopes de Castanheda, Virgílio Arruda, Natércia Freire, Ruy Bello, Joaquim Veríssimo Serrão e tantos outros, assim como Roque Gameiro ou Alves Redol, que chegou a viver na aldeia da Palhota, em Valada, para contactar com os habitantes da borda d’água que serviriam de inspiração para alguns dos seus romances.
O Ribatejo está numa zona de charneira, numa encruzilhada de que parece não saber tirar partido. A menos de cinquenta minutos de Lisboa, que tem a força centrípeta que sempre a caracterizou, continua a ter, cinquenta anos após a revolução do 25 de Abril de 1974, más estradas secundárias e fracas ligações ferroviárias em termos de tabela horária. Quanto ao ensino superior, o Instituto Politécnico de Santarém e de Tomar têm conseguido segurar e atrair estudantes e futuros residentes. A sua população já não alcança o meio milhão de habitantes, ou seja, a população de Lisboa capital, a província está em parte desertificada e a peste grisalha avança a galope. Tanto do Norte, como do Sul, embora tendo boas ligações à A1, os turistas atravessam-na sem a conhecer. Apenas param em Tomar, cidade dos templários, ou no santuário de Fátima. A maior parte do restante território permanece desconhecido e não se tem sabido promover com eficácia. Por um lado gozamos de uma saudável tranquilidade, por outro lado o território definha, sobretudo nas suas aldeias e lugares.
O antigo Ribatejo merece mais e melhor: novas rotas turísticas que liguem cidades e vilas em territórios próximos; rotas literárias ou gastronómicas, visitas a quintas que produzem os néctares de muito melhor qualidade dos nossos dias, a promoção da tradição hípica e não apenas tauromáquica e o derrubar de preconceitos entre classes sociais. Todos partilhamos uma herança cultural comum e nunca nos deveremos esquecer, que por mais remoto, sem esperança ou limitado de possibilidades que seja um lugar, pessoas de valor há em todo o lado e génios surgem onde, por vezes menos se espera, tal como José Saramago, o Nobel da literatura portuguesa, natural da pequena aldeia da Azinhaga, no concelho da Golegã.
Nas vésperas da quadra natalícia desejo que a possamos viver no calor dos nossos lares. Não importam tanto as prendas, mas a pausa nos anos sempre velozes, o convívio e a alegria de podermos estar juntos.


