Opinião | 30-12-2025 20:48

Constância: uma terra de promessa

Constância: uma terra de promessa
Miguel Montez Leal

A vila tem para qualquer pessoa uma atmosfera poética, intemporal, que nos ameniza e tranquiliza, não é apenas o recorte do seu casario que nos faz apaixonar por esta localidade. Os chorões debruçam-se sobre o rio, os areais do rio contornam-na, e tudo nos empurra para uma lembrança imemorial de muitos séculos e camadas. A casa-memória dedicada a Camões aguarda uma musealização. Mas assente num só episódio biográfico parece-nos uma tarefa inglória.

Na confluência do rio Tejo com o rio Zêzere, na curva do rio, encontramos Constância, vila de casario branco que cai em cascata espelhando-se no rio. A vila idílica pela sua paisagem e arquitectura, seria ideal para o estabelecimento de escritores, artistas, tal como se fez em Óbidos e em Monsaraz, dos dias contemporâneos do grande lago que constitui o Alqueva.

Tendo mudado de nome no tempo da Rainha D. Maria II, em 1836, passando de Punhete a Constância, esta pequena Vila pode tirar proveito do rio, no que diz respeito à gastronomia local, e a desportos náuticos, assim não o obstaculizem as indústrias vizinhas poluentes e destruidoras da paisagem e entorno do local.

No ano que termina celebraram-se os cinco séculos do nascimento de Luís Vaz de Camões, o poeta que se transformou num símbolo nacional ao dar nome ao Dia de Portugal, principal feriado português, que celebra a sua vida, a nossa língua e os países de língua portuguesa, numa espécie de Commonwealth cultural de expressão da língua de Camões.

Muitos livros surgiram neste ano, assim como foram organizados colóquios e congressos dedicados ao principal escritor nacional. Quando falamos de Constância é inevitável falar de um possível refúgio do poeta nestas terras.

A vila tem para qualquer pessoa uma atmosfera poética, intemporal, que nos ameniza e tranquiliza, não é apenas o recorte do seu casario que nos faz apaixonar por esta localidade. Os chorões debruçam-se sobre o rio, os areais do rio contornam-na, e tudo nos empurra para uma lembrança imemorial de muitos séculos e camadas. À beira-rio encontramos a escultura de Lagoa Henriques (1923-2009), polémica na sua época. A casa-memória local dedicada a Camões aguarda uma musealização. Mas assente num só episódio biográfico, parece-nos uma tarefa inglória. Talvez se ali fossem expostas reproduções dos retratos de Camões que chegaram aos nossos dias, cópias de manuscritos, a sua árvore genealógica que recua à Galiza, pois a família Camões ancestralmente dali é originária e se reconstituísse o que seria uma oficina de escrita da época, ou o ambiente de taberna lisboeta onde o poeta parece que era muito popular, este objectivo fosse alcançado.

Camões, Shakespeare ou Miguel de Cervantes são três dos principais escritores do século XVI e que se tornaram nos melhores embaixadores dos idiomas português, britânico ou castelhano. Fernando Pessoa dizia que “um poeta é um fingidor…”, e cinco séculos volvidos sobre o nascimento de Luís de Camões é sempre difícil perscrutar e afirmar certezas sobre a vida que nos foi sendo contada de uma forma lendária. Nem sobre a cidade que o viu dar à luz há certezas, embora a sua mãe, Ana de Macedo, fosse natural de Santarém. Mas de facto, também não é a cidade que lhe foi berço, o que importa. O que mais relevância e significado tem é a sua obra, constituída por lírica, teatro, cartas e a sua opus magnum, Os Lusíadas. Tal como nos séculos anteriores, assim como nos séculos que se seguirão ao nosso, o poeta irá ter sempre novas leituras e formas de interpretação, é o que concede riqueza à sua pena.

Quanto à museologia dos nossos dias esta não se faz como anteriormente. A tecnologia entrou em força nos museus, o mesmo acontecerá com a crescente inteligência artificial e os tentáculos em que esta se ramificará. Não é contemporâneo fazermos pequenas casas museus como as que se fizeram sobre a obra de D. Quixote em La Mancha, por muito interessantes que sejam. Estas são reconstituições, sempre retrospectivas, do que terá sido o ambiente por onde Miguel de Cervantes y Saavedra deambulou e que lhe serviram de inspiração para a criação do famoso fidalgo D. Quixote de La Mancha.

Constância, devidamente revitalizada, possui os ingredientes necessários para que reemerja, assim o queiram as autoridades locais e as suas possibilidades financeiras, de forma a combater o seu inexorável despovoamento. Muito perto encontra-se o castelo de Almourol, assente sobre uma ilhota, Abrantes, e a cidade de Tomar, e os seus dois rios conduzem-nos às deslumbrantes Portas de Ródão.

No mês de abril a cidade engana-se para celebrar as Festas de Nossa Senhora da Boa Viagem. A presença de barcos no rio, dão um colorido a esta festividade religiosa, sincrética, que mistura tradições pagãs e tradições cristãs.

Que os rios que abraçam Constância, não sejam apenas rios de sonho, mas rios de progresso, bem-estar, desenvolvimento e placidez.

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