Opinião | 14-01-2022 10:16

A Mãe de todas as reformas

Santana-Maia Leonardo

Ai de quem perde. É por isso que também vivemos num país onde os fins justificam os meios e os casos de corrupção só têm relevância e interesse se puderem ser usados como pedras de arremesso contra os adversários. Santana-Maia Leonardo

Existe uma reforma que é a mãe de todas as outras e sem a qual estas estão votadas ao insucesso. Refiro-me à reforma das mentalidades.

Os portugueses que vivem e residem em Portugal, de uma forma geral, têm horror a correr riscos pelo que se agarram aos cargos remunerados pelo Estado como os banhistas que não sabem nadar, nem querem aprender, à borda da piscina. E dali não saem, tornando a piscina imprópria para quem queira praticar natação, tanta é a gente que se amontoa na sua borda.

É, por isso, natural que os portugueses mais ambiciosos, ou seja, que não estejam dispostos a viver agarrados à borda da piscina, se vejam obrigados a partir para outros países onde o mérito seja reconhecido e possam dar largas à sua ambição.

A cultura do risco e do mérito numa sociedade naturalmente competitiva educa-se desde o berço. Mas, para isso, é fundamental que a derrota ou o insucesso não se transforme num estigma. Ora, reside precisamente aqui o problema português. Com efeito, quando ganham, são os maiores e tratam os vencidos com uma arrogância extrema. Aliás, sentem um enorme prazer em humilhar os vencidos. É precisamente por esta razão que a maioria dos portugueses escolhe sempre o lado dos vencedores. E isto é tão evidente que, ao contrário do que sucede em toda a Europa, 94% dos portugueses são dos três clubes ganhadores.

É natural que um clube de uma grande cidade tenha mais adeptos do que um clube de uma pequena cidade. O que não é natural é que uma cidade como Faro, por exemplo, tenha mais adeptos do Benfica e do Sporting do que do Farense. No entanto, basta ler a explicação para ser benfiquista (e não portista) do conhecido psicólogo Júlio Machado Vaz, que nasceu e reside no Porto, na sua entrevista ao jornal A Bola, para ficarmos esclarecidos: “O facto de o Benfica ganhar quase tudo na década de 60 (…) tinha tudo para me atrair.

Ora, o que é normal, em qualquer país do mundo, excepto em Portugal, é, numa liga de clubes, cada um torcer pela clube da sua cidade, num campeonato inter-escolas, cada um torcer pela sua escola, e, num campeonato inter-turmas, cada um torcer pela sua turma, independentemente de a sua turma, escola ou cidade ter mais ou menos hipóteses de ganhar.

Acontece que, na sociedade portuguesa, o epíteto de “perdedor”, com que os canalhas gostam de estigmatizar os seus adversários, é de tal forma humilhante que a esmagadora maioria prefere não arriscar, para não correr o risco de fracassar, optando pela segurança dos empregos do Estado e por ser adepto dos partidos e clubes vencedores. E, mesmo assim, sempre que perdem é um drama. Ai de quem perde. É por isso que também vivemos num país onde os fins justificam os meios e os casos de corrupção só têm relevância e interesse se puderem ser usados como pedras de arremesso contra os adversários.

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