Opinião | 17-06-2022 09:39

David contra Golias

Santana-Maia Leonardo

Sempre que defendo o modelo inglês da repartição das receitas dos direitos televisivos, os meus amigos do Benfica e do Sporting olham para mim com a mesma arrogância, desdém e alarvice com que o gigante Golias olhou para o pequeno David ( : ). Eu olho para eles e penso cá para mim: a vossa sorte é os clubes “pequenos” não terem o meu feitio, caso contrário Benfica, Sporting e Porto, os três juntos, caíam de borco como o gigante Golias.

O futebol português é um caso verdadeiramente atípico no panorama do futebol europeu, porque é a expressão das gravíssimas e acentuadas assimetrias que reduziram Portugal à cidade Lisboa-Porto, como lhe chamava o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles. E a afirmação do Porto no panorama nacional foi uma consequência do Verão Quente de 1975 em que o poder económico teve de fugir para o Norte do País. E não vale a pena argumentar que o futebol não tem nada a ver com a política, porque, se não tivesse, o fascismo não impunha que o presidente da FPF fosse obrigatoriamente de um dos grandes de Lisboa.

O centralismo fascista-leninista, agora alargado ao Porto, continua tão vincado que, segundo o último estudo da UEFA (2015), Benfica, Sporting e Porto têm 94% dos adeptos portugueses. Repito, 94%???!!!… Ou seja, o Golias lusitano tem 94% dos adeptos portugueses, enquanto o David lusitano tem apenas 6%, representando a soma dos adeptos de todos os outros clubes que não têm sequer assento nos programas desportivos nacionais, mesmo quando se discute os jogos que eles disputam contra os Golias.

Sempre que defendo o modelo inglês da repartição das receitas dos direitos televisivos, os meus amigos do Benfica e do Sporting (só tenho um amigo do Porto e raramente o vejo) olham, para mim, com a mesma arrogância, desdém e alarvice com que o gigante Golias olhou para o pequeno David: “Nós somos os maiores, somos os que temos mais share, somos os que vendemos mais jornais. Os outros não contam para o totobola. Muito ganham eles. Se não fosse o Benfica e o Sporting, os outros estádios estavam sempre às moscas. As pessoas querem é ver e ler notícias do Benfica e do Sporting.

Eu olho para eles e penso cá para mim: a vossa sorte é os clubes “pequenos” não terem o meu feitio, caso contrário Benfica, Sporting e Porto, os três juntos, caíam de borco como o gigante Golias.

Mas vamos lá raciocinar como David quando desafiou Golias.

Como todos sabemos, sem a centralização dos direitos televisivos, cada clube pode apenas vender os direitos televisivos dos jogos em sua casa. Por outro lado, em termos desportivos, é bem mais importante para o Benfica, Sporting e Porto o jogo em casa do “clube pequeno” (qualquer perda de pontos pode ser trágica) do que para o “clube pequeno” o jogo em casa do Benfica, Sporting ou Porto (a derrota é o resultado natural).

Ora, basta somar estes dois factos para se concluir que David, com uma simples pedrada, derrubava Golias. Como? É fácil: se Benfica, Sporting e Porto só podem vender os direitos televisivos dos jogos em sua casa e se esses jogos não têm relevância desportiva para os outros clubes, estes clubes, se se organizarem e quiserem, podem reduzir a zero o valor comercial destes jogos, fazendo com que ninguém os queira ver ou comprar (ex: falta de comparência, os jogadores jogarem a passo, lesionar-se a equipa completa no primeiro minuto, etc). Veríamos quantas televisões estariam interessadas em comprar estes jogos e se os adeptos dos clubes com mais share também acorreriam ao Estádio para ver a sua equipa a jogar sozinha.

Sem esquecer que, nas Assembleias da Liga, cada clube tem direito apenas a um voto, independentemente do número de adeptos, pelo que bastava os David usarem o seu voto na defesa dos interesses do seu clube para os Golias caírem de borco.

O problema dos clubes pequenos não é serem pequenos é serem dirigidos por gente pequenina que nasceu para lamber as botas de Golias, na esperança de receber umas comissões pela porta do cavalo, em vez de lhe acertar com uma pedrada no meio da testa.

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