Opinião | 08-09-2022 06:59

“Onde” um livro que é uma viagem por Abrantes, Sardoal e Constância

JAE

“Onde” é o novo livro de José Luís Peixoto, um escritor que ama a sua terra e o seu país. Natural e residente em Galveias, concelho de Ponte de Sor, José Luís Peixoto tem uma proximidade com o território do Médio Tejo que o faz viajar por Abrantes, Sardoal e Constância como quem pisa terra dos seus antepassados. Há muita poesia nos textos que percorrem alguns dos lugares e dos monumentos mais conhecidos destes três concelhos ribatejanos.

O livro começa na Praça da República, no Sardoal ( o centro do mundo), e acaba na Torre do Relógio, em Constância, que se tornou “ao longo dos séculos como um coração” a palpitar no centro da vila. O segundo texto é sobre o Miradouro do Cristo Rei, na Matagosa, em Abrantes onde “crescemos sempre que deslocamos o queixo do peito” e onde “a distância é bonita porque nos desafia”. Na Praça Alexandre Herculano, em Constância, o escritor de Galveias desafia os leitores a sentirem-se únicos como os habitantes da vila que são responsáveis pelo desgaste das pedras da rua. Ainda em Constância nas Escadinhas do tem-te bem, “Imaginar e recordar são o subir e o descer da mesma escada”; No Jardim Horto de Camões um texto de homenagem ao poeta mas também a Manuela de Azevedo, “a vila e o poema unidos por uma mulher cujo nome merece ser dito junto aos nomes de Constância e de Camões”. “Inspira, enche o peito com ar do Sardoal, enche o peito com este instante. O que virá a seguir?” Escreve a perguntar o autor de “Morreste-me” falando do Antigo Largo do Ensaio da Música, no Sardoal. Voltando a Constância, para falar da Antiga Torre de Punhete, que já não existe, José Luís Peixoto dirige-se ao leitor, como é habitual ao longo do livro, e diz que afinal a torre existe: “está em ti”.

A mesma ideia acompanha o texto seguinte que fala da Igreja de Santa Clara, em Alcaravela, no Sardoal, que foi construída sobre outra igreja e cuja memória continua no lugar embora só possa ser visível para quem fala e pensa nas coisas que já não existem. No regresso a Constância o escritor visita a Réplica da Fonte Boa, uma fonte construída em cima de outra fonte, “para dar corpo à lembrança” da outra. Ao escrever sobre a Fonte Férrea do Sardoal, o escritor fala da “natureza profunda” onde “há um lugar puro, secreto, onde a água brota com a mesma força com que jorra desta bica”, o mesmo com o Chafariz das Três Bicas, ainda no Sardoal, onde a cor das lendas contorna as bicas do tempo”.

No Tramagal, o Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira é pretexto para escrever sobre” patrões que dão nome à fábrica, filhos, netos e bisnetos de todas as pessoas que aqui deixaram a sua vida”. No Alto de Santo António, em Abrantes, “a cidade estende-se sobre o território, obedece às manias do relevo porque esse é o seu sustento”; No Largo Cabral Moncada, em Abrantes, o escritor conta sobre uma “superfície de relvas, própria para receber o céu que nos observa lá de cima, tão próximo”; Regressa ao Sardoal para visitar O Caminho de Memórias e lembrar que “o Sardoal estava aqui antes de todos nós, e enquanto não chegamos o Sardoal esperou por nós”; O Castelo de Abrantes é inspiração para o poeta testemunhar que “Aqui tomaram-se decisões que não chegaram a verbete de enciclopédia”, no Jardim do Castelo escreve sobre a presença dos “bancos de jardim para namorar a primavera”; no Miradouro de Fontes, ainda em Abrantes “a distância é uma pergunta”, e as mãos “são como uma paisagem”; Na Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, em Constância, o lugar serve para observar a vila e registar que “entre nós e o rio, como palavras em silencio, estão as casas”; Um dos textos mais poéticos do livro é sobre o Cais de Acostagem, em Rio de Moinhos, onde “podemos comparar o oceano com o futuro”; Em Constância, no Museu dos Rios e das Artes Marítimas, a mensagem de que “com o barco do museu navegaremos no que fomos”. A Igreja Matriz do Sardoal e o seu esplendor lembra que “a fé é uma forma de arte”, assim como na Igreja da Misericórdia, no Sardoal, os sardoalenses que passaram debaixo do seu portal “ouviram a pedra a falar-lhes de eternidade, a erosão da pedra a falar-lhe de misericórdia”; O Sobreiro de Montalvo é mais um dos textos inspirados, “porque o mundo é inseparável das árvores” e ” todos os gestos podem ser comparados com árvores”, assim como o Sobreiro da Dona Maria, no Sardoal, que por ser tão majestoso, levou o escritor a confessar que “estas palavras pertencem à árvore”; E o Eucalipto Grosso, ainda no Sardoal ” é como um rio vertical, a árvore puxa a seiva até lá acima. O Sardoal é o seu alimento”. De volta a Abrantes o escritor visita a Oliveira do Mouchão, e escreve: “os séculos da árvore são como um enorme edifício à nossa frente”; Na Aldeia da Pereira, em Constância, o escritor pergunta “como se lê uma palavra a si própria”; No Jardim Soares Mendes, na Bemposta, Abrantes, volta-se a falar do mistério dos caminhos de terra e de água; “são assim os rios, levam consigo um pouco dos lugares por onde passam, adicionam esses lugares ao seu próprio corpo” ; Na Aldeia do Pego, Abrantes, José Luís Peixoto fala ” no amor do povo, que é o mais ilimitado que existe”, assim como em Valhascos, no Sardoal, visitar a aldeia talvez seja, afinal, visitar ” muitas aldeias; ” O passado rodeia-nos, alimenta-nos, justifica-nos”, escreve o poeta sobre a Quinta de Santa Bárbara, em Constância; “As casas de Martinchel são um modelo do mundo”, escreve de visita à aldeia do concelho de Abrantes; O “Roteiro do Vinho ao Pão é pretexto para falar do milagre das videiras, e para concluir que “não há verbos que consigam acompanhar a evolução do verde nas parras, ou a maneira como os bagos se vão insuflando de poupa”; O Parque das Merendas, no Sardoal, é um lugar onde o poeta escreve sobre “gente com os seus enredos” e afirma que “é na conveniência que mostramos quem somos”; No Borboletário Tropical em Constância o poeta escreve sobre “delicadeza”, e conclui que ” a vulnerabilidade das borboletas é a sua força”; A visita ao jardim António Botto, na Concavada, Abrantes, é inspiração para escrever que “às vezes a poesia é uma loucura tão lúcida que chega a dizer o que ainda ninguém sabe”; “O Universo inteiro está nas estantes” escreve José Luís Peixoto de visita à biblioteca Alexandre O `Neill, em Constância; e na Escola Adães Bermudes, em Montalvo, fica o registo de que “quando alguém parece que nunca foi criança, é porque se afastou da sua humanidade essencial”.

Estamos na página 91 do livro “Onde”, de José Luís Peixoto, que acaba na página 131. Fica por conta dos leitores a leitura crítica das páginas restantes, que visitam outros tantos locais dos concelhos de Sardoal, Abrantes e Constância. A ideia era escrevermos até chegarmos à Torre do Relógio; ficam por citar e divulgar belas imagens deste livro, por citar outros lugares por onde o escritor de Galveias viajou e deixou escrito a melhor prosa e poesia que já foi publicada sobre cada lugar. Todos os textos têm, pelo menos, um verso a dar força à prosa do escritor autor de “Abraço” e “ Em Teu Ventre”.

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