Opinião | 01-04-2022 06:59

Um Parlamento 100% racista

Santana-Maia Leonardo

Até Marcelo Rebelo de Sousa, para vir celebrar o 10 de Junho a Portalegre, precisou de trazer atrelado um intelectual lisboeta nascido em Portalegre por não reconhecer num alentejano do distrito, nível suficiente para ler um simples discurso. Lá vão os tempos em que Portalegre tinha indivíduos do gabarito de José Régio.

Com a entrada do “Chega!” na Assembleia da República, o Parlamento português conseguiu, finalmente, fazer o pleno dos partidos racistas. Desde o 25 de Abril, os únicos partidos racistas com assento parlamentar eram os partidos da capital que tratavam abaixo de cão as etnias alentejana, algarvia, beirã e transmontana, a coberto de uma comunicação social servil e racista que apenas dá voz a quem tem o certificado de residência na capital.

Até Marcelo Rebelo de Sousa, para vir celebrar o 10 de Junho a Portalegre, precisou de trazer atrelado um intelectual lisboeta nascido em Portalegre por não reconhecer num alentejano do distrito, nível suficiente para ler um simples discurso. Lá vão os tempos em que Portalegre tinha indivíduos do gabarito de José Régio… Hoje, se José Régio fosse vivo, tinha de leccionar em Lisboa, sob pena de não ser reconhecido nem em Portalegre.

É óbvio que o processo de desertificação é irreversível se, ao contrário do que acontece em todos os países da Europa civilizada, todos os ministérios e secretarias de Estado ( : ? estiverem sediados no litoral e, ainda por cima, numa única cidade. Agora experimentem, como eu venho defendendo há mais de trinta anos, recuar todos estes edifícios 100 ou 200 Km para o interior do território, assim como as principais universidades e quarteis militares, e verão se a situação não se altera radicalmente.

Ou seja, enquanto o “Chega!” se indigna com uns míseros apoios sociais pagos a algumas minorias, as etnias alentejana, transmontana, beirã, ribatejana e algarvia não só foram espoliadas, pelo Terreiro do Paço, de muitos mil milhões de fundos de coesão da UE destinados a “promover a igualdade real entre os portugueses (…) e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional“, eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo” (artigos 9.º, 81.º e 90.º da Constituição) como esses milhões foram gastos a edificar uma ilha rica, a Região de Lisboa, num mar de pobreza e desigualdade que é o nosso país.

Quando olhamos para a cara dos habitantes das aldeias atingidas pelos fogos, das duas uma: ou os habitantes ficaram sem a sua casa ou, muito em breve, vão ser as suas casas que vão ficar sem os seus habitantes.

Por outro lado, quando ouvimos os especialistas, políticos, catedráticos, comentadores e jornalistas debaterem e argumentarem doutamente sobre a floresta portuguesa e a causa dos fogos, não podemos deixar de constatar que todos eles têm três coisas em comum. Podem ser de direita ou de esquerda, ter nascido em Trás-os-Montes, no Alentejo, nas Beiras ou no Algarve, mas todos são lisboetas (primeira característica comum), sabem que a principal causa dos fogos florestais reside no processo de desertificação do território (segunda característica comum) e nenhum deles faz tenção de deixar de residir em Lisboa (terceira característica comum). Aliás, quando chegam aqui, todos se apressam a dizer que o processo de desertificação é irreversível, receosos, porventura, de que alguém os queira obrigar a sair de Lisboa.

É óbvio que o processo de desertificação é irreversível se, ao contrário do que acontece em todos os países da Europa civilizada, todos os ministérios e secretarias de Estado, todas as direcções-gerais, o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal Constitucional, o Estado-Maior do Exército e da Força Aérea, etc. etc. estiverem sediados no litoral e, ainda por cima, numa única cidade. Agora experimentem, como eu venho defendendo há mais de trinta anos, recuar todos estes edifícios 100 ou 200 Km para o interior do território, assim como as principais universidades e quarteis militares, e verão se a situação não se altera radicalmente.

Sendo certo que, com a actual rede de estradas e a informática, esta alteração não causaria qualquer transtorno aos cidadãos. Bem pelo contrário, Lisboa ficaria liberta do congestionamento automóvel, da poluição e da pressão urbanística, podendo transformar-se, então, na cidade turística, empresarial, residencial e marítima que o presidente da câmara idealiza, e o país ficava mais equilibrado e mais protegido, designadamente, dos fogos florestais.

A alternativa a esta solução, é deixar arder! Mas, pelo menos, poupem-nos das lágrimas de crocodilo dos senhores de Lisboa que, para além de não ajudarem a apagar os fogos, apenas contribuem para aumentar a revolta de quem aqui vive.

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