Perpétua Rodrigues é, aos 81 anos uma das últimas bordadeiras da Glória do Ribatejo
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Cerimónia contou com actuação do Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo e lançamento do livro “Recolhas na Glória: Reminiscências e Evidências”. Há três anos que os bordados da Glória do Ribatejo estão no Inventário Nacional do Património Imaterial.
A Glória do Ribatejo celebrou no passado sábado, dia 15 de Fevereiro, o terceiro aniversário da inclusão dos bordados da Glória do Ribatejo no Inventário Nacional do Património Imaterial. A cerimónia ficou marcada por um espectáculo proporcionado pelo Rancho Folclórico da Casa do Povo e pelo lançamento do livro “Recolhas na Glória: Reminiscências e Evidências”, que celebra e imortaliza o património cultural da localidade.
O auditório do Espaço Jackson, inaugurado em 2020, recebeu o evento, que contou com a presença do presidente da autarquia, Hélder Esménio. A cerimónia teve grande afluência por parte da população, que demonstrou ser fiel às suas raízes e manifestou entusiasmo em manter viva a tradição dos bordados. Durante o evento, foram destacadas as iniciativas municipais e comunitárias que têm contribuído para a preservação e divulgação deste património imaterial.
Perpétua Rodrigues aprendeu a “marcar” (expressão que os habitantes locais utilizam para “bordar”) desde cedo, pois era a mais velha entre os irmãos. Aos 81 anos, entre a colecção de bordados da Glória do Ribatejo que está exposta no Espaço Jackson, consegue reconhecer aqueles que foram feitos pela sua mãe e até pela sua avó, relíquias que “trouxe lá de casa” para deixar em exposição. O seu olhar emocionado ao identificar estas peças evidencia o forte laço entre as gerações e a importância de perpetuar a história através da arte dos bordados.
Cresceu na pequena aldeia ribatejana e lembra-se de brincar junto ao Poço da Roda quando era criança. “A minha mãe dava-me linhas e um pouco de tecido e dizia ‘tens de aprender a marcar’”, recorda, afirmando que começou pela técnica da cercadura de dois pontos, progredindo depois para métodos mais exigentes. Enquanto passeia pela exposição, consegue identificar os diferentes tipos de bordados e as ocasiões em que eram utilizados, como em dias de casamentos ou presentes que eram oferecidos na altura da Páscoa. “Os namorados costumavam oferecer um saco de amêndoas às namoradas e elas retribuíam com um bordado”, conta a O MIRANTE. Agora reformada, ainda faz questão de continuar a “marcar” de vez em quando, fazendo adereços para os mais próximos, mas não esquece outros tempos, em que as condições não eram tão fáceis. “À noite chegavam a ser sete ou oito mulheres em torno de uma candeia, todas a marcar e a contar os fios”, relembra, referindo que ainda conseguiu ensinar a arte à sua filha. Apesar das dificuldades, a partilha e a união das bordadeiras criavam um ambiente de cumplicidade e transmissão de saberes que permanece na memória colectiva da comunidade.
A transmissão e continuidade deste património imaterial continua a depender do empenho da comunidade, que, através de iniciativas como esta celebração, reforça a importância da identidade da região.
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Um casal que imortalizou a tradição em livro
Um dos pontos altos da cerimónia foi o lançamento do livro “Recolhas na Glória: Reminiscências e Evidências”, da autoria de Alexandra Dias e Álvaro Pote. A obra, que contou com apoio e promoção da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, é resultado de anos de recolhas de testemunhos das “gentes” da aldeia, contabilizando cantigas, orações, expressões e outras tradições da Glória do Ribatejo.
A O MIRANTE, os autores explicam que a obra surgiu de forma inerente, dado que as recolhas sempre foram feitas pelo interesse no tema e nunca com a finalidade de as tornar num livro. No entanto, como “filhos da terra”, Alexandra Dias e Álvaro Pote não deixaram escapar a oportunidade de imortalizar a tradição e as pessoas da localidade. O processo de pesquisa e recolha de testemunhos foi minucioso, garantindo que cada detalhe reflectisse fielmente a riqueza cultural e histórica da Glória do Ribatejo. O casal, que leva uma vida ligada ao Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo, atribuiu o mérito às pessoas da terra pela obra e património cultural da região.