Mesquita em Samora Correia atrapalha candidatura de Pedro Gameiro em Benavente

Várias figuras do PS exigem que o partido retire o apoio à candidatura de Pedro Gameiro à Câmara de Benavente, na sequência de um vídeo polémico a contestar a possível construção de uma mesquita em Samora Correia.
Pedro Gameiro, candidato do Partido Socialista (PS) à presidência da Câmara Municipal de Benavente, está a ser alvo de críticas internas no partido, depois de ter divulgado um vídeo nas redes sociais onde se manifesta contra a eventual construção de uma mesquita em Samora Correia. A publicação originou contestação por parte de figuras de peso do PS, que apelam à retirada do apoio do partido à candidatura. No vídeo de 30 de Maio, Pedro Gameiro critica a intenção da Associação Ahmadia do Islão em Portugal de construir um complexo religioso num terreno que, segundo o candidato, estava já identificado pela concelhia do PS para a criação de um parque urbano. “O Partido Socialista está sempre com a população, para o PS a mesquita não se fará aqui nem em lado nenhum no nosso concelho”, refere Pedro Gameiro no vídeo.
Confrontado com a controvérsia, Pedro Gameiro escusou-se a comentar as críticas internas, limitando-se a afirmar, em declarações a O MIRANTE, que já enviou esclarecimentos ao presidente da distrital de Santarém e ao coordenador autárquico do partido. Assegura que a candidatura “não está prejudicada” e remeteu explicações adicionais para um texto publicado no dia 16 de Junho nas redes sociais, onde volta a defender o parque urbano naquele local. Dezassete dias depois do vídeo, o político veio afirmar, afinal, que nada o move, assim como à concelhia, contra qualquer confissão religiosa que respeite a ordem constitucional. “O terreno já estava identificado para a construção de um parque urbano praticamente no centro da cidade de Samora Correia, junto à única ciclovia e ao quartel dos bombeiros”, escreveu o candidato, justificando que o espaço preserva o uso público e que beneficia toda a comunidade.
Cúpula socialista envergonhada
Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República, afirmou sentir “vergonha” pelas declarações de Pedro Gameiro, lembrando que todas as religiões têm direito à livre expressão e culto num Estado laico como o português. “Não se pode defender a interdição da liberdade de organização e culto de qualquer religião”, disse, acrescentando que, caso essa posição se mantenha, “façam o favor de tirar estas duas nobres letras, PS, do vosso nome”. “A concelhia de Benavente pode perfeitamente defender que, naquele terreno específico (talvez público, não sei), se deva fazer antes um parque, e não um edifício, defendendo então, logicamente, que se procure outra localização; pode indicar que tem informações seguras de que o projecto específico a que se opõe não é o de uma mesquita, mas de uma madraça fundamentalista disfarçada de mesquita (como infelizmente sucede em outros sítios, por exemplo da Bélgica ou de França), mas então que apresente essas informações”, sustentou Augusto Santos Silva. O que, na sua opinião, o PS de Benavente não pode fazer é “dizer que se opõe a que pessoas professando a religião muçulmana (ou outra qualquer) possam construir locais adequados ao seu culto”.
Também Fernando Medina, antigo ministro das Finanças, classificou o conteúdo do vídeo de Pedro Gameiro como “intolerável” e pediu à direcção do PS que retire o apoio ao candidato. No mesmo sentido pronunciou-se Miguel Prata Roque e também João Costa, ex-ministro da Educação, que reforçou a mesma ideia e afirmou que só apoia o candidato à liderança socialista que repudie o episódio de forma “inequívoca e consequente”.
Futuro líder não se compromete
Apesar da pressão, José Luís Carneiro, candidato único à liderança do PS, não confirmou se retira o apoio a Pedro Gameiro. Na apresentação da candidatura de Ana Sofia Antunes à Câmara de Oeiras, garantiu que todos os candidatos socialistas estarão comprometidos com os valores constitucionais, incluindo a liberdade religiosa e de culto. “Ser candidato em nome do PS significa estar comprometido com princípios fundamentais dos direitos humanos, que têm de ser salvaguardados em cada comunidade local”, afirmou. José Luís Carneiro adianta ainda que o partido realizará uma convenção autárquica entre o final de Agosto e o início de Setembro para assumir “compromissos claros” com esses valores.
Projecto da mesquita ainda não chegou à câmara
Apesar de a Associação Ahmadia do Islão em Portugal ter comprado, por 300 mil euros, um terreno em Samora Correia com 4 mil metros quadrados e alegadamente querer ali instalar a sua sede nacional, nenhum projecto deu ainda entrada na autarquia para a construção de uma mesquita.
À margem
Pela boca morre o peixe
O assunto nasceu a 28 de Abril deste ano. O Partido Socialista, em sessão da Assembleia Municipal de Benavente, denunciou a compra de um terreno, em Samora Correia, por parte de uma associação islâmica para fins religiosos. Muita tinta correu desde então com vários partidos políticos do concelho a tomarem posição pela não construção de uma mesquita no território. Curiosamente, antes dessa data, as forças políticas com representação no município já estavam a par desta possibilidade, dada a conhecer pela própria associação numa reunião informal. O pacto de silêncio sobre o assunto parecia ficar para depois do período eleitoral, mas foi quebrado pelo PS. De Abril até Junho, alguns candidatos multiplicaram-se em vídeos filmados em frente ao terreno na Avenida O Século. Pelo meio, foi promovida uma petição (que já leva mais de 5.300 assinaturas) e uma manifestação com participação de elementos do PSD, PS e Chega.
O assunto ganhou proporções e a onda de choque só agora levantou poeira no Largo do Rato. A concelhia do PS de Benavente, entretanto, apagou fotografias nas redes sociais a posar em frente ao cartaz “Mesquita não!” no dia do protesto e, antes de o fazer, ainda limitou e ocultou comentários pouco abonatórios. Parece haver arrependimento de um assunto levantado pelos próprios, mas que actualmente é tema incómodo no seio do partido.