Cancro da Mama em tempos de pandemia

Diogo Alpuim Costa, Oncologista Médico no Hospital CUF Santarém, Hospital CUF Descobertas e Hospital CUF Cascais
Segundo dados do Observatório Global de Cancro (Globocan, 2020), Portugal registou 60.467 novos casos de cancro, prevendo-se um aumento para 70.715 novos casos em 2040. No que concerne à mortalidade por cancro, prevê-se, também, um aumento de cerca de 27.1%, com 38.341 mortes em 2040. De acordo com a mesma fonte, para o ano de 2020, Portugal registou 7.041 novos casos de cancro da mama e 1.864 mortes, prevendo-se um aumento da incidência e da mortalidade em cerca de 0.84% e 18.6% para 2040, respetivamente. Em 2020, Portugal foi o quinto país da União Europeia com a mais baixa taxa de mortalidade por cancro da mama. No entanto, segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), estes números não tiveram em conta o eventual impacto da pandemia da COVID-19, que interrompeu ou interferiu abruptamente com os programas de rastreio e de tratamento.
O clima pandémico veio, na verdade, desafiar a homeostasia de um sistema que se pretende harmonioso e equilibrado, em torno da pessoa com cancro da mama. Diria mesmo, que agora vivemos mais em “tempos de sindemia do que em pandemia”, uma vez que a interação não biológica do SARS-CoV-2 (novo coronavírus) com a célula cancerígena da mama é mais impactante, do que a mera soma dos efeitos de cada uma das enfermidades (COVID-19 e cancro) provocadas por estes dois agentes. Esta guerra biológica travada com um adversário invisível, dinâmico e imprevisível, tem perturbado a coesão do puzzle que permite o rastreio e o diagnóstico precoce, o tratamento a tempo e horas e o seguimento presencial dos doentes. Toda uma logística importantíssima no êxito da luta contra o cancro.
Segundo informações da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) e da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), esta pandemia terá levado a uma quebra significativa no diagnóstico de novos cancros, incluindo da mama, devido à redução dos programas de rastreio e também ao receio das pessoas em procurarem os seus médicos, adiando exames e consultas. Mais informam o inevitável, de que o “combate ao cancro deve ser uma prioridade contínua, não podendo ficar em segundo plano face à pandemia da COVID-19” e que “o cancro mata mais do que a COVID-19”. Por tudo isto é importante incentivar a população para que não adie exames de rotina como a ecografia e/ou mamografia e a visita regular ao seu médico assistente, nomeadamente o médico de família ou o ginecologista.
Para além do impacto imediato desta nova realidade, há também a salientar a repercussão a médio e longo prazo deste “período de incubação” que ao contrário do coronavírus não é de poucos dias, mas sim de meses a anos.
No entanto, mesmo em tempos difíceis e de alguma incerteza, não podemos deixar que este vírus aniquile um dos nossos melhores sistemas defensivos, isto é, a nossa capacidade de resiliência e de superação. Temos, atualmente, ao nosso dispor inúmeras ferramentas que são úteis para a prevenção e diagnóstico precoce do cancro da mama e um armamentário terapêutico mais diversificado, que nos permite “cuidar melhor” de quem precisa. Nesse sentido, temos de tender para a “melhor ciência e a arte” que permita atingir o “melhor fim desejado”, não só através dos exames que acima referi, como também através de tantos outros recursos que estão ao nosso dispor:
- Adoção de estilos de vida saudáveis, começando por evitar as adições ao álcool e tabaco, evitar o stress crónico e um melhor controlo das perturbações depressivas ou ansiosas, entre outros fatores;
- Multiparidade (mais do que uma gestação), primeira gravidez antes dos 30 anos e amamentação (se possível), evitar a terapêutica hormonal de substituição por um período prolongado (aconselhar-se com o seu médico assistente);
- Realização do autoexame da mama para eventual deteção de tumores numa fase mais precoce. A partir dos 20 anos, todas as mulheres devem realizar o autoexame da mama mensalmente (cerca de 1 semana após a menstruação); se já não for menstruada, a mulher deverá escolher uma data fixa do mês para o autoexame. Estar particularmente atenta às seguintes alterações: nódulo ou endurecimento na mama ou na axila, modificação no tamanho ou formato da mama (assimetria excessiva), alteração da coloração ou sensibilidade da pele da mama ou do mamilo (por exemplo “pele casca de laranja” ou vermelhidão), retração da pele da mama ou do mamilo, corrimento (líquido) mamilar;
- Privilegiar um acompanhamento personalizado e diferenciado em indivíduos portadores de mutações que conferem maior risco para cancro da mama, sendo as principais mutações BRCA1 e BRCA2. O risco de uma mulher, durante a sua vida, vir a desenvolver cancro da mama é de 57-65% e de 45-49% para as mutações BRCA1 e BRCA2, respetivamente.
- Referenciação de doentes com cancro da mama para instituições devidamente credenciadas como centros ou unidades da mama com abordagens multidisciplinares e compreensivas.
Não podemos deixar para amanhã, o que é possível de identificar e mudar já hoje. Não podemos (nem devemos) negligenciar a importância de um cancro tão prevalente como é o da mama e temos de adotar estratégias conducentes que visem mitigar o impacto negativo da COVID-19. Na realidade, ainda não são conhecidos os números exatos da influência desta pandemia sobre os novos diagnósticos de cancro da mama e a sua morbilidade e mortalidade. Para tal, está a ser desenvolvido um estudo clínico com o apoio da CUF, da Ordem dos Médicos (OM) e da Sociedade Portuguesa de Senologia (SPS), que tem como principal objetivo avaliar, entre os profissionais de saúde, qual terá sido o impacto em Portugal da COVID-19, no tratamento e seguimento de doentes com cancro da mama.
Cada um de nós tem, em articulação com os profissionais de saúde, um papel primordial para interferir, de forma decisiva, com a história natural desta doença. Tempo é saúde e por isso não adie o inevitável e, em caso de dúvidas, procure ajuda especializada. Lembre-se desta nova máxima: “O Cancro não Espera em Casa.”