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A tradutora que prefere trabalhar de noite

Susana Cardoso diz que o mundo das editoras é pequeno e fechado

Susana Margarida Silva Cardoso sempre teve queda para as línguas, talvez pelo facto de ter sido criada no estrangeiro, mais concretamente no Luxemburgo. Não admira por isso que tenha escolhido ser tradutora, uma profissão onde pode pôr à prova o seu conhecimento sobre outros idiomas. “Quando chegou a hora de ir para a faculdade quis qualquer coisa ligada às línguas mas a via de ensino não me fascinava”. Por isso optou pala tradução, “uma profissão a que ainda hoje, principalmente nos meios mais pequenos, não se dá muito valor”. Enquanto não concretiza o seu sonho – trabalhar para uma editora - Susana Martins considera-se uma free lancer. “Vou fazendo o que aparece”.

Aos quatro anos viajou da Figueira da Foz para o Luxemburgo com a família e foi aí que o seu futuro profissional começou a desenhar-se. Cresceu a ouvir e a falar quatro línguas, além da materna – francês, inglês, alemão e o dialecto luxemburguês. Quando regressou a Portugal, com 12 anos, já sabia que, no futuro, queria ter uma profissão ligada às línguas.Ser tradutora não é fácil em Portugal, principalmente para quem, como Susana, quer trabalhar para editoras. “O mundo das editoras é um meio pequeno e fechado”, diz. Quem lhe abriu as portas ao mundo do trabalho, após ter acabado o curso em Leiria, foi uma empresa da região que trabalhava muito com o estrangeiro. “Apesar de ter sido contratada para o escritório, não como tradutora, acabei por fazer muitas traduções”.O segundo emprego foi numa multinacional, onde pôde testar melhor os seus conhecimentos, mas um problema de saúde levou-a a sair da firma. Hoje não tem trabalho fixo – “vou fazendo traduções avulsas” – mas ainda não desistiu de trabalhar no ramo editorial. “Sei que morando em Caxarias (concelho de Ourém) não será fácil concretizar o meu sonho, porque as editoras estão nas grandes cidades”.Traduzir um livro permite-nos divagar um pouco sem fugir da ideia base, diz Susana, acrescentando que não há traduções literais – “o sentido do texto que estamos a traduzir tem de prevalecer sempre mas não obrigatoriamente pelas mesmas palavras”. O que é mais difícil de acontecer em livros técnicos – "aí temos de ser mais rigorosos e precisos”.A tradutora dá exemplos dos dois livros que já traduziu, em parceria com um colega de faculdade. “Infertilidade – o dilema dos casais” e “A escultura do Eu – Moral e Estética” foram os livros que traduziu para a Quarteto Editora, de Coimbra. “O primeiro livro era mais técnico, apresentava situações específicas de tratamentos de infertilidade e aí não há muita subjectividade, ao contrário do segundo livro, mais filosófico”.Quanto mais técnico é o livro, mais pesquisa tem de se fazer. No caso do livro sobre a infertilidade, a tradutora teve o cuidado de falar com médicos especialistas na área e ler muita literatura. “Passei muitas horas em bibliotecas, porque os livros são caríssimos”.“Só não me considero um rato de biblioteca porque costumo levar os livros para casa”, diz Susana em tom de brincadeira, adiantando que traduzir é um trabalho de concentração, que não se coaduna com o burburinho em redor. “O silêncio é o melhor amigo do tradutor”, diz.“É à noite, quando já tudo dorme, que gosto de fazer as traduções, porque tenho a mente limpa e a cabeça descansada”, diz, acrescentando que já fez algumas noitadas.Enquanto não vão aparecendo mais livros Susana dedica-se à tradução de documentos para particulares – “ainda agora fiz uma tradução para uma senhora que veio do Canadá e tinha de enviar uma série de documentação mas não dominava bem o inglês escrito”. Por vezes aparecem “aqueles trabalhos mais chatos, com assuntos que não são de todo interessantes, mas o profissionalismo tem de ser o mesmo”.Nunca experimentou a tradução em simultâneo por achar ser uma área extremamente cansativa – “ouvimos e temos de transmitir de imediato o que se disse”, refere, adiantando que, nessa vertente da tradução, “tem de se ter um domínio quase perfeito da língua estrangeira e da nossa própria língua”. Ao contrário, na tradução editorial, há tempo para escolher e adequar as melhores palavras.Ser uma pessoa bastante culta e estar sempre muito bem informada são os ingredientes necessários para trabalhar na área da tradução, diz Susana. “E quem, dentro da tradução, não se especializou numa área, que é o meu caso, tem de fazer também muita pesquisa, tentar estar actualizada em todas as áreas porque podem pedir-nos trabalhos sobre um vasto leque de assuntos”.Até hoje só recusou um trabalho. “Foi para uma empresa e só recusei porque os documentos – manuais antiquíssimos de uma fábrica de moldes - eram muito antigos, estavam todos baralhados e chegavam a faltar páginas. Dadas as circunstâncias achei que não tinha condições para prestar um bom trabalho”.Apesar de saber várias línguas, Susana Cardoso só domina bem duas línguas, além da materna – francês e inglês. “Nesse aspecto o meu curso pecou, porque deveríamos dominar mais línguas”. Susana prefere traduzir inglês, que acha uma língua mais acessível, mas curiosamente os últimos trabalhos que fez foram em francês – a tradução de peças de teatro.“É uma área da qual estou a gostar imenso mas dá muito trabalho. Por exemplo, algumas peças tinham rima e tive de traduzir também com rima, o que quer dizer que foi necessário alterar algumas palavras, mantendo o sentido e a ordem do texto, o que foi complicado”.Enquanto não concretiza o seu sonho de trabalhar apenas na área editorial, Susana Cardoso reparte o tempo entre as bibliotecas, o seu escritório, e o Teato, grupo de teatro de Leiria, onde faz também uma perninha como actriz...Margarida Cabeleira

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