Guias do além falam através dela
Fátima Nascimento tira o mau olhado e transmite recados de “guias espirituais”
O branco é a cor predominante, do chão ao tecto. Um póster de Jesus Cristo, ocupa lugar de destaque numa das paredes. Por baixo da imagem um pote com água e ao lado uma cómoda com velas acesas. Na parede em frente vários santos ocupam os seus “altares”. Junto à porta de entrada, mais uma cómoda, mais velas acesas e bocados de incenso já queimado. Ao centro, uma pequena mesa redonda. Estamos no “consultório” da médium Fátima Nascimento, situado na Moçarria, a poucos quilómetros de Santarém.
Uma, duas, três vezes. Fátima Nascimento esfrega os búzios, lançando-os para cima da pequena mesa redonda. “Ainda não lavaste a porta da frente”, diz para uma cliente chamada Gilda, que confirma a falha. “Tens de a lavar esta semana”, alerta.Mais uma vez, os búzios caem sobre a mesa. E sai a primeira premonição – “O patrão do teu marido já teve dois compradores. Não quer vender?”. “Não sei, diz que dão pouco”, responde a cliente ouvindo de seguida uma resposta que não gosta – “Ele vai ficar sem a firma, se não despachar o negócio. Vão-lha tirar como lhe tiraram as outras coisas”.A médium deixa os búzios e deita as cartas. Um baralho normal onde vê coisas boas e menos boas. A filha de Gilda vai ter o contrato renovado e anda um rapaz atrás dela mas haverá também “choro e lágrimas” na família, por causa de uma pessoa de idade, homem. “Só se for o meu sogro, tem andado com umas ideias malucas de se matar”, comenta a cliente.Uma mulher “gorda e com cabelos compridos”, que tem “o sangue” de Gilda quer fazer-lhe mal. “Não comas nada do que ela te dê”, aconselha Fátima, que também dá a receita para afastar o mau olhado – alecrim, arruda, alfazema, casca de alho e eucalipto. “Ferves isso tudo numa panela grande, divides em três vezes e vais tomar três banhos seguidos”. Fátima Nascimento receita quase sempre coisas naturais, que se podem colher no campo. “Não vendo produtos artificiais porque o que a terra dá é o melhor produto".Depois dos banhos, Gilda ainda tem outra tarefa para cumprir – “pões dentro de um saco um litro de leite, um quilo de farinha, um quilo de arroz, seis ovos e um iogurte natural branco e vais oferecer a uma mulher”.Gilda (nome fictício) é cliente assídua do consultório de Fátima Nascimento. A primeira vez que a consultou foi em Maio, quando o marido estava em risco de perder o emprego e a filha não arranjava nenhum. Agora as coisas já se estão a compor. A filha arranjou trabalho e a firma onde o marido trabalha ainda não foi à falência. Depois de consultar a médium da Moçarria soube que há gente que lhe quer mal mas agora consegue lutar contra isso. “Se não fosse a Dona Fátima já tinha morrido”. Em desespero as pessoas acreditam em quase tudo...Foi uma vidente que fez mal a Gilda – “há pessoas que se dedicam só a fazer o mal e ganham muito dinheiro à custa disso” - mas foi ter com outra para remediar o mal que a primeira lhe fez.Fátima Nascimento diz que nasceu na Guiné Bissau já com aquele “dom”. “Herdei-o da avó da minha avó”. A mãe foi aconselhada a mandá-la para Portugal com apenas dois anos – “disseram-lhe que passava se eu atravessasse o Atlântico”.Nunca quis servir-se do “dom” para trabalhar. Tinha duas lojas e um restaurante em Lisboa mas quando ficou grávida da filha Bárbara, agora com 16 meses, largou tudo e correu meio Portugal à procura de uma casa. Acabou por se instalar na aldeia da Moçarria, a meia dúzia de quilómetros de Santarém. “Foi uma benção que Deus me deu”.Mas apesar de ter iniciado a actividade há pouco tempo, desde pequena que Fátima ajudava pessoas da família e amigas da avó. Na altura chegava a desmaiar três, quatro, cinco vezes por dia e no hospital nunca descobriam nada. Foi a avó que um dia a chamou e lhe disse – tu tens trabalho a fazer. Um chamamento que nunca quis atender. Até há três anos atrás.Em cima da mesa Fátima tem búzios e moedas antigas, escudos portugueses. É com eles que recebe as mensagens e, se os clientes desejarem, “pode baixar alguém e falar directamente com eles”. Não são espíritos, “são guias que falam e dizem às pessoas o que se passa”. As “alminhas” falam através de Fátima mas durante esse tempo ela não está lá. “Quando o momento passa eu não sei o que falaram, só o que as pessoas me contam”.Há casos em que se pode ajudar, outros que já não têm remédio. “No que eu puder ajudar, ajudo”. Fátima conta histórias de pessoas que auxiliou. “Houve uma rapariga que lhe deram um lagarto para comer, sem ela saber. E fui eu que a chamei. Quando chegou a minha casa tremia como varas verdes”, diz, adiantando que “graças a Deus ela hoje está bem, tem a vida organizada”.Mas também há casos em que nada se pode fazer, como curar um cancro. “Há doenças que são incuráveis, porque são coisas naturais. Ninguém pode afastar uma tempestade, por exemplo”, refere, adiantando que ainda há pouco pressentiu um tremor de terra – “não sei onde mas vai acontecer”. Para Fátima Nascimento, ninguém pode escrever por cima da escrita de Deus.Quando as coisas se resolvem a médium agradece a Deus e pede-lhe que lhe dê força para dar aos outros. “Não peço riqueza, nem fortuna, só peço saúde para poder ajudar os outros e que não me falte um prato de sopa em casa”.Fátima também tira o mau olhado, mas não faz mal a ninguém. “Já várias vezes tive em cima desta mesa mais de mil contos para fazer mal a uma pessoa mas eu era incapaz de comer aquele dinheiro, por isso é que eu não passo de onde estou mas prefiro assim, porque deito-me e durmo”, diz, adiantando que gosta de dormir com a consciência tranquila.Desde que começou a trabalhar, Fátima só teve um cliente que não ficou satisfeito – “disse-lhe que não tinha nada, não tinha problema absolutamente nenhum e o homem ficou ofendido e disse que ia procurar outra pessoa”.No dia do seu aniversário Fátima recebeu novamente a visita do senhor – “disse-me que não sabia se havia de acreditar no que eu lhe tinha dito ou no que o senhor que consultou, que ele lhe tinha dito que tinha um mal muito grande e que lhe tinha de dar 800 contos. E eu respondi-lhe que se ele ficasse mais descansado e os tivesse lhos desse”.Por cada consulta Fátima recebe 25 euros. Quando recebe, porque muitas vezes as clientes ficam amigas e as consultas até são de graça. “Não é por aqui que fico rica, são os trocos que temos no banco resultantes da venda das lojas em Lisboa que vão dando para vivermos”, diz Fátima, adiantando - “isto não é um comércio nem um negócio, foi o dom que Deus me deu para ajudar os outros”. E quando acabarem os trocos?Margarida Cabeleira
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