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Uma paixão com 50 anos

Carlos Florentino dirige o Grupo de Amadores de Teatro Marcelino Mesquita

A 16 de Dezembro de 1952 Carlos Florentino pisou o palco pela primeira vez com o entusiasmo de um iniciante. Começou como actor e nos anos setenta passou a dirigir o grupo de Amadores de Teatro Marcelino Mesquita. Cinquenta anos depois a paixão pelo teatro mantém-se com a mesma intensidade. No mês em que comemora meio século de teatro, o encenador prepara a peça “Fados, canções e não só” que estreia domingo, 15 de Dezembro, às 21h30, na Casa do Povo do Cartaxo.

A sede do Grupo de Amadores de Teatro Marcelino Mesquita, que ocupa o segundo andar do edifício da Casa do Povo do Cartaxo, assemelha-se a uma pequena sala de costura. Há fitas coloridas espalhadas, trajes pendurados e alguns cenários para o novo espectáculo. É ali, entre os textos das peças e as vestimentas dos actores, que Carlos Florentino, 70 anos, passa os seus tempos de ócio. Há cinquenta anos. Os anos embranqueceram-lhe o cabelo, mas não conseguiram enfraquecer a sua paixão.No armário da sala, decorada com cortinas coloridas, alinham-se os álbuns onde guarda carinhosamente as fotos do grupo e os programas das peças apresentadas. O último cartaz está prestes a sair, para promover o mais recente trabalho do grupo. A revista “Fados, canções e não só” é levada à cena no próximo domingo, na Casa do Povo do Cartaxo, às 21h30, para assinalar meio século de dedicação ao teatro do encenador do grupo. Carlos Florentino subiu pela primeira vez ao palco do Cine-Ribatejo a 16 de Dezembro de 1952 no Cine-Ribatejo num espectáculo de homenagem a Maria Rosário Izidro. Na altura, já apaixonado pelo teatro, apareceu ainda como figurante. A então secção cultural (grupo cénico do Ateneu Artístico Cartaxense) apresentava um espectáculo com três partes. No cartaz que Carlos Florentino ainda guarda o seu nome aparece manuscrito no elenco. O actor interpretava Filipe Manso durante “A Sesta”. Uma peça de Faustino dos Reis de Souza com música inspirada no folclore ribatejano. A acção decorria nas lezírias pela altura dos debulhos.Um ano depois da estreia já representava a sério. Entrou em “Nobre causa”, “Os pimentas”, “Doidos com Juízo”, “Natal do Zé Caniço” e na opereta “Onde canta o rouxinol”.Desde os anos 70 que dirige o grupo de amadores do Cartaxo. Na época era mais difícil conseguir a primeira oportunidade. “Não se entrava com facilidade para o grupo cénico. Mas o teatro talvez tivesse mais adeptos do que tem hoje. Na altura não havia televisão nem tantos motivos de diversão”, recorda. CONTABILIDADE E TEATRODurante 50 anos o contabilista conciliou a profissão com o teatro. O horário facilitou-lhe a entrega à paixão, ao contrário de outros elementos do grupo. “Somos amadores. Mas para se fazer parte de um grupo cénico a valer é preciso amar o teatro. E quando amamos sacrificamos. Há pessoas que têm outros hobbies, como o futebol, e eu tenho o teatro”.É raro o dia em que não vai à Casa do Povo do Cartaxo. Além de encenador, actor, desenhador e carpinteiro de cena, Carlos Florentino também é artesão. Construiu um palco em miniatura onde costumava fazer os ensaios de cenários. Os sábados, domingos e serões de Carlos Florentino são passados a trabalhar para o teatro sem receber nada em troca, a não ser a satisfação de fazer crescer o grupo. “Nem tomo as refeições com prazer se está na hora de vir para aqui. Reconheço que é uma coisa doentia”, confessa.O papel que lhe agrada mais no teatro é o de encenador. O que lhe dá mais prazer é dar vida a um espectáculo. “Quando estou a dirigir os actores também estou a representar”, descreve. A revista é o tipo de teatro que prefere por que envolve música, bailado, guarda-roupa mais elaborado e cenários mais criativos. Os amigos caracterizam-no como “um animal do teatro”. Carlos Florentino admite que já prejudicou o convívio familiar por causa do teatro. Quando morava em Vila Chã de Ourique chegava a vir de motorizada para a Casa do Povo, muitas vezes debaixo de trovoada. Abdicou de muito por causa do teatro, mas não considera isso um sacrifício.Em determinada altura da sua vida pensou sair do Cartaxo e ir para Lisboa, onde estava o teatro. Não com pretensões a artista, mas para ser arrumador ou porteiro. Apenas para estar mais próximo do teatro. “Ser artista nunca foi uma coisa que estivesse no meu horizonte porque a achava muito distante”.Carlos Florentino gostava que as suas colecções fossem doadas à Biblioteca Municipal do Cartaxo. Em casa guarda livros de teatro, textos (peças, monólogos e duetos) e recortes de jornais. Tem uma colecção de mais de três mil discos que a filha, uma apaixonada por música, deverá herdar. Ao longo de uma vida de teatro agradou-lhe sobretudo encenar “Alguém terá de morrer”, de Luís Francisco Rebelo. “É uma peça com um texto excepcional. Foi escrita quando começou a aparecer o problema da droga e ainda hoje é muito actual”. Carlos Florentino fica normalmente a gostar do último trabalho que encena, mas sempre com vontade de melhorar no próximo. Um dos sonhos é fazer um quadro de fantasia - uma montagem cénica com jogos de água, luz e cor que pudesse transpor para o palco a magia que é a sua paixão pelo teatro.“É difícil motivar os jovens para o teatro”Carlos Florentino queixa-se que é difícil motivar os jovens para o teatro. “A maior parte deles têm uma noção de teatro completamente diferente daquilo que é. Chegam aqui hoje e julgam que decoram mais ou menos o papel e amanhã representam. Infelizmente não é assim. Damos 50 ensaios, quando não é mais, para dar meia dúzia de espectáculos. É por isso que se cansam e vão embora”, explica.O encenador diz que muitas vezes questionam o porquê de algumas indicações que são dadas pelo encenador. Considera que alguns cursos de iniciação teatral podem dar a ideia de que o teatro é só expressão corporal. “Nem sempre as pessoas andam aos pulos ou levantam os braços em posições estéticas. Se a aprendizagem fosse lenta talvez resultasse”.O grupo tem actualmente 15 actores e a esmagadora maioria é gente de meia idade. “Temos a porta aberta seja para quem for. Nos últimos tempos enveredámos por espectáculos de revista, que permitem ter um elenco maior”, convida Carlos Florentino.O percurso atribulado do grupo cénicoO grupo cénico do Ateneu Artístico Cartaxense, que deu origem ao Grupo de Amadores de Teatro Marcelino Mesquita, surgiu nos anos 40. Em 1956, um desentendimento entre o grupo e a direcção levou à fundação do grupo de Amadores de Teatro Marcelino Mesquita em Janeiro de 1957. O novo grupo foi convidado pela Casa do Povo a usar a sede da instituição, tornando-se no grupo de Amadores de Teatro Marcelino Mesquita - grupo cénico da Casa do Povo do Cartaxo. Em 1970 Carlos Florentino passou a dirigir os actores, depois da saída de Rossini Marques. Ensaiou os amadores e levou à cena a peça “Um marido em rodagem”, mas depois de algumas representações o grupo parou. Após a revolução dos cravos, em 1975, surge no Cartaxo o grupo de teatro “Combate” que despertou a vontade de fazer teatro. Carlos Florentino aceita retomar a direcção do grupo, impondo como condição que se organizasse uma festa de homenagem ao antigo director. Encenaram a comédia “Três em lua de mel”, “As miricas vão para fora”, “150 minutos de espectáculo” e a peça que Carlos Florentino considera a coroa de glória do grupo desde sempre – “Alguém terá de morrer”. Carlos Florentino desconfia que o título pode ter dado azar ao grupo porque houve mais um momento de paragem que se prolongou durante sete anos. O grupo renasce novamente com o espectáculo “Retalhos de Revista”. Depois da comédia “Dois maridos em apuros” e “A Inês do Castro”, a actividade do grupo tornou a arrefecer. “Viva a revista” foi a mais recente peça apresentada há algumas semanas em Pontével.O grupo cénico, que já representou o Ribatejo num concurso de teatro amador e foi distinguido com prémios de encenação, sempre teve o objectivo de fazer espectáculos de beneficência para pessoas mais carenciadas.Quando o grupo surgiu o teatro não tinha qualquer apoio. Actualmente a câmara e a junta de freguesia concedem um subsídio anual ao grupo, que é sempre insuficiente para as montagens dos espectáculos.Ana Santiago

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