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Sentir a greve nos pés

Comboios e autocarros praticamente parados em todo o distrito

Em dia de greve geral, a maioria dos serviços públicos de Tomar, Torres Novas e Santarém funcionava quase normalmente. Fechados mesmo estiveram a EDP da cidade do Almonda e de Santarém e os serviços municipalizados da capital de distrito. O pior foram os meios de transporte – os comboios pararam e poucos autocarros da rodoviária do Tejo saíram em serviço. E foram precisamente destes que as pessoas sentiram mais falta.

São quase 10h30 da manhã de uma terça-feira fria e chuvosa, dia de greve geral. Na estação da Rodoviária de Tomar Paulo Castro estava sozinho na plataforma, à espera do expresso para Lisboa. O médico de medicina interna do Hospital Nossa Senhora da Graça passara a noite toda a trabalhar e só pensava mesmo em recostar-se no assento do autocarro e dormir até à capital.Mas o expresso nunca mais chegava e o médico mostrava-se cada vez mais impaciente. “Quando saí de serviço ainda fiquei a fazer tempo para ver se apanhava boleia mas não consegui. Quando telefonei para aqui disseram-se que havia o expresso das 10h15 para Lisboa mas já são 10h30...”, dizia, enquanto voltava a olhar para o relógio. “Se me venderam o bilhete é porque vai haver com certeza”, tentava convencer-se. Afinal, o autocarro lá chegou, com cerca de 20 minutos de atraso. Se aquele motorista tivesse feito greve o médico não teria outro remédio senão permanecer na cidade do Nabão por mais um dia. Habitualmente Paulo Castro utiliza o comboio para se deslocar entre o emprego e a sua residência, em Lisboa, mas na terça-feira nenhuma composição chegou ou partir da estação ferroviária de Tomar.Apesar de ter assinatura mensal de comboio, o médico gosta de utilizar de vez em quando outro tipo de transportes menos confortável mas se calhar mais rápido. “Às vezes vou de boleia com os bombeiros, eles estão sempre a levar doentes para baixo e aproveito”. Desta vez, todavia, nem os bombeiros lhe valeram – “hoje por azar não tinham ninguém para transportar”. Será que os doentes também fizeram greve?Em dia de greve geral o quotidiano dos munícipes de Tomar não sofreu grandes alterações. A rodoviária e a estação dos comboios deveriam ser mesmo as únicas prestadoras de serviço público cujos funcionários aderiram em massa à paralisação anunciada pela CGTP.Uma ronda pela cidade deu para perceber que a maioria dos serviços estava a funcionar com normalidade. No edifício que alberga os dois cartórios notariais e as várias conservatórias a manhã decorria de uma forma absolutamente normal. “Nunca aderimos às outras greves não era a esta que íamos aderir”, foi a explicação de uma funcionária notarial.A chuva intensa não atemorizava o varredor da autarquia. De capucho enfiado na cabeça o funcionário lá andava a varrer as folhas e a apanhar o lixo, ali mesmo junto ao tribunal, também ele a funcionar regularmente. “Tem de se ganhar a vida...”, dizia o homem entredentes, ao mesmo tempo que empurrava o carrinho com alguma pressa para não ter de responder a mais perguntas “incómodas”.Os correios não fecharam as portas e na EDP a fila para pagamentos era considerável, semelhante aos outros dias da semana. Até os trabalhadores da repartição de finanças, que quanto mais não fosse pelas miseráveis condições em que trabalham poderiam fazer greve, mantinham-se firmes nos seus postos.“Greve”. As letras garrafais inscritas no papel branco colado na porta principal não levam a enganos. Os serviços da EDP de Torres Novas aderiram à greve a cem por cento e fecharam mesmo a porta. Pelo que o nosso jornal testemunhou deve ter sido o único serviço na cidade em que todos os funcionários decidiram ficar em casa. À semelhança de Tomar, também na cidade do Almonda os principais serviços públicos estavam a funcionar normalmente, à excepção da camionagem onde o escasso movimento era feito pelos autocarros da rede expresso que chegavam e partiam quase de imediato. Parado estava o taxi de Luís Santana, mesmo junto ao terminal rodoviário. “A greve não influenciou nada o nosso serviço, foi uma chachada”, diz, adiantando que as pessoas das aldeias optaram por não vir ao mercado por não terem transporte. “Se não vieram também não vão, não é?”Bem falta fez a Lucinda Guarda não haver camionetas. De manhã, a residente em Chancelaria ainda apanhou boleia da sogra, que vende fruta no mercado, mas a hora de almoço aproximava-se e Lucinda ainda tinha de o ir fazer para o filho, que não teve escola. “Vou ali para o pé do hospital velho para ver se apanho boleia”. E lá vai ela carregada de compras.Mas em Torres Novas houve algumas pessoas que sentiram a greve bem na pele. Em dia de mercado semanal, os feirantes foram os mais prejudicados. “Isto hoje foi terrível, uma miséria”, refere Luciana Nascimento, adiantando que sem meios de transporte só os habitantes da cidade é que se deslocaram ao mercado e, mesmo assim, poucos, por causa da chuva. A vendedora, de Santarém, remata – “Quando aqui chego já trago 20 contos às costas, é o gasóleo, as portagens, os pequenos-almoços. Hoje não valeu a pena aqui vir”, remata a vendedora, queixando-se de caminho da falta de condições da feira, que também afasta muitos clientes em dia de chuva.Em melhores condições mas sem os clientes habituais estava Rosa Granata. No meio de queques, tartes, pastéis de nata, bolas de Berlim e outras “perdições” doces a residente em Vale Florido diz que sentiu muito a ausência das pessoas das aldeias, os seus principais clientes. “Eu e quase todos os que vendemos aqui”, apontando para as bancas do novo mercado de Torres Novas.“NÃO ENTRO EM POLITIQUICES”“Não faço greve porque quem é contratado não pode entrar em politiquices”. Foi assim que, sentado ao volante de um autocarro, respondeu ao nosso jornal um dos motoristas da Rodoviária do Tejo, em Santarém. Na capital de distrito o centro de camionagem tinha aliás bastante mais movimento que nas restantes cidades visitadas pela reportagem mas houve logo quem tivesse uma explicação para o facto – “medo de represálias”.Quem também não fez greve foi o funcionário da limpeza da rodoviária de Santarém. De vassoura na mão Joaquim Couto diz que não é contra nem a favor da greve mas é chefe de família e se não trabalhar não ganha. Além disso, continua, “tenho de assegurar o serviço mínimo e como sou o único neste serviço...”.As finanças de Santarém encontravam-se encerradas...mas para almoço. De resto o serviço estava a ser cumprido com normalidade. Ali ao lado, no tribunal, faltaram apenas oito funcionários judiciais, de um total de 50, segundo as contas do primeiro secretário judicial.E nas três cidades visitadas por O MIRANTE houve ainda quem fizesse greve por conta própria. Jovens estudantes decidiram fazer gazeta, em alguns casos mesmo sabendo que os seus professores marcaram presença. “Ás vezes são eles, hoje fui eu”, referiu uma estudante do ensino secundário de Torres Novas.Fazer greve com convicção Luís Roque é electricista da EDP em Santarém. Na terça-feira decidiu fazer greve e “armar-se” em Pai Natal – “aproveitei para vir comprar umas prendas que ainda me faltavam”, diz sorridente.O electricista, morador em Almoster, é um acérrimo defensor do direito à greve e nunca fintou nenhuma. “Comecei a trabalhar muito novo, com nove anos, e conheci e vi muitas coisas”, diz para justificar a sua atitude.Talvez por ainda novo ter sido perseguido pela PIDE, Luís Roque considera que a greve é a única arma que os trabalhadores têm para se defender, “não há outra alternativa”. Por isso, diz, “faço greve com convicção, não faço só por fazer”.“Conheço alguns pontos do código do trabalho e entendo que algumas coisas que lá estão enunciadas não são as mais correctas para com os trabalhadores”.Margarida CabeleiraAdesão variável de acordo com fontes A adesão à greve geral de terça-feira no distrito de Santarém registou índices elevados, embora os números variem consoante as fontes, com a União dos Sindicatos de Santarém (USS) a reportar a paralisação de muitas empresas e serviços.A USS destaca os níveis de adesão em várias empresas do distrito, com a paralisação da produção nas fábricas da Fiação e Tecidos de Torres Novas (têxtil), da Rical e da Unicer (bebidas) e das Fundições Rossio de Abrantes para sublinhar o sucesso da greve geral no distrito.Refere ainda elevados índices de adesão em outras empresas, como as metalúrgicas Roberto Bosch (50 por cento), Duarte Ferreira (95), Branco e Carvalho (90), Benaventense (90), Fernando Vital (100) e Alfa Alumínios (100) ou as do sector da construção civil Carpintejo (100), Planotejo (95), Pravim (100), Espátula (100), Cooperativa de Construção Civil de Alpiarça (100).Nas autarquias, o lixo ficou hoje por recolher em muitos dos 21 concelhos do distrito e houve câmaras, como a de Almeirim, em que todos os serviços estiveram fechados, tendo noutras laborado de forma deficiente.Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, a maioria das autarquias do distrito teve paralisações acima dos 70 por cento, números que não coincidem com o levantamento feito pelo Governo Civil de Santarém, que refere apenas três câmaras com 90 por cento de adesão (Golegã, Benavente e Coruche), a grande maioria com níveis abaixo dos 50 por cento e o caso de Ourém, com zero por cento.No sector dos transportes, a União dos Sindicatos de Santarém reconhece a fraca adesão na capital do distrito, mas refere elevados níveis de adesão (acima dos 90 por cento) nas outras localidades, o que é contrariado pela Rodoviária do Tejo.Segundo a empresa, a adesão global no distrito ronda os 38 por cento, à excepção de Torres Novas (67 por cento), onde se situam as oficinas centrais e onde a paralisação foi significativa.Também a Fiação e Tecidos de Torres Novas nega a paralisação da produção, apontando para uma adesão da ordem dos 70 por cento dos trabalhadores directamente ligados à produção fabril.Na saúde, a USS aponta para adesões de 100 por cento nos hospitais de Torres Novas e Abrantes, 72 por cento em Santarém e 67 por cento em Tomar e de 100 por cento nos centros de saúde de Alpiarça e Vila Nova da Barquinha, 79 por cento no de Almeirim e 65 por cento no de Abrantes.Contudo, informações obtidas junto do serviço de pessoal do Hospital de Santarém referem uma adesão significativa dos enfermeiros desta unidade de saúde (91 por cento no turno das 08:00 às 16:00) mas menor entre o pessoal administrativo (48 por cento), médicos (38 por cento), técnicos de diagnóstico (24 por cento) e serviços gerais (30 por cento) e quase sem expressão entre auxiliares e operários.Lusa

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