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Na solidão da noite

Francisco Ferreira é guarda-nocturno em Pontével

Francisco Ferreira passa as tardes e as noites a vigiar a Escola Básica 2/3 de Pontével, Cartaxo. Durante as sete horas do turno faz a ronda e concentra-se nos barulhos que podem evidenciar o perigo. Nas horas mais calmas o guarda-nocturno aproveita para ler e pôr a correspondência em dia. Às vezes escreve cartas a si próprio. A solidão é a maior dificuldade da profissão soturna do homem que trabalha “à hora dos fantasmas”.

Quando a maior parte das pessoas se prepara para regressar a casa depois de um dia de trabalho, Francisco Pereira, 49 anos, apronta-se para começar uma noite de vigilância na Escola Básica 2/3 de Pontével, no concelho do Cartaxo.O trabalho começa quando surgem os pequenos ruídos nocturnos, “à hora dos fantasmas”, descreve o guarda-nocturno.A solidão da noite é a principal dificuldade da profissão. “A solidão, mas também algum stress. Não é bem o medo. Temos que estar atentos a todos os ruídos e cheiros. Qualquer barulho pode ser um alerta”, afirma.Na escola existe uma cozinha equipada e há sempre o perigo de uma fuga de gás ou de uma avaria eléctrica que provoque um curto circuito. O guarda explica que a “intrusão” é sempre a última situação que se espera.O vigilante reconhece que a sua formação militar o ajuda no serviço. “Há coisas que se aprendem e não se esquecem, como a diferenciação de barulhos”.No último Natal, por volta das duas ou três da manhã, o guarda ouviu um barulho na escola. O som parecia o barulho de um estore a abrir-se. “Mas onde é que poderia estar a abrir-se”, interrogou-se Francisco Ferreira. Para zelar pela sua própria segurança não devia ir ao local. Mas cerca de uma hora depois descobriu que o som era o de um cenário de papel com decorações natalícias que tinha caído. “Um papel de cenário a cair no chão parecia o abrir de um estore. Há que manter o sangue frio e esperar para ver o que acontece”, aconselha.O guarda-nocturno diz que por natureza deve ter-se medo. “Se não tivermos medo a nossa vida está em perigo”. O vigilante tem que zelar pela segurança das instalações, mas “não pensar que o perigo está sempre ao virar da esquina”.O vigilante tem normalmente a preocupação de não se mostrar para que não seja visto na ronda. “A máxima da segurança é ver sem ser visto e ouvir sem ser ouvido”. É por isso que tem alguns cuidados com o calçado para fazer “o menos barulho possível”. “Trabalha-se um pouco em cima do arame”, garante.O vigilante nunca teve uma situação de potencial perigo, mas quando trabalhou como segurança para uma empresa poderia ter arranjado algumas complicações. “Começámos a notar movimentações perto de uns barracões velhos. Eram toxicodependentes. A situação resolveu-se sem conflito, mas se fosse necessário ter chamado as autoridades poderiam ter-se virado contra nós”, afirma. Para o guarda-nocturno esse é um dos grandes perigos da segurança e da vigilância nocturna. “A autoridade actua e pode haver retaliações”, garante.Durante as sete horas do turno o guarda faz as rondas e escuta atentamente todos os ruídos. Mas sobra “todo o tempo do mundo” para ler, sobretudo jornais, e escrever cartas. “Já cheguei a escrever cartas para mim mesmo e depois rasguei-as. Era uma maneira de passar o tempo e tentar desenvolver algumas ideias que tinha. Neste tipo de função dá para isso”. Outras vezes aproveita para tirar algumas dúvidas que surgem durante as conversas de café. Também tem tempo para estudar e rever algumas matérias dos seus livros de física e matemática. Por vezes um pequeno rádio acompanha-o nas solitárias noites, mas sempre muito baixo, de forma a que consiga ouvir todos os ruídos da noite.O guarda-nocturno tem também um turno que começa mais cedo, mas não tem preferência pelo horário. Folga dois dias por semana, altura em que é substituído por um outro guarda.Em termos de remuneração o guarda, contratado pelo Ministério da Educação, recebe “o mais baixo salário do funcionalismo público”. O vigilante, residente em Vila Chã de Ourique, concilia a sua profissão com a actividade de produtor vinícola porque o trabalho não exige muito fisicamente. “É uma situação só de presença. Não há trabalho físico”, explica.Antes de se tornar guarda-nocturno trabalhou 25 anos como operário. Depois da restruturação da empresa foi dispensado. Desde aí já trabalhou como motorista, serralheiro e electricista, até que surgiu a oportunidade de se tornar vigilante.Trabalhou durante dois anos e meio numa empresa de segurança privada, onde teve formação, e vigiou durante um ano uma outra escola do concelho. O trabalho à noite não prejudica o seu relacionamento familiar. Almoça todos os dias em casa e muitas vezes é quem normalmente prepara a refeição antes da esposa chegar. De manhã, depois de acabar o turno, toma o pequeno almoço antes de ir para casa para um merecido dia de descanso.Ana Santiago

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