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Expulso do seminário por causa dos namoricos

Expulso do seminário por causa dos namoricos

David Catarino, presidente da Câmara de Ourém

Os livros de cobois da colecção “Seis balas” atrapalharam-lhe os conhecimentos ao nível da matemática mas acabou por encarreirar com os números embora, mais tarde, tenha optado pelas letras. Destinado a ser padre, David Catarino, actual presidente da câmara de Ourém acabou por ser professor, uma vez que o namorico com a que viria a ser sua esposa levou a que fosse expulso do seminário. A postura calma e ponderada esconde um vulcão onde arde a lava do stress.

David Catarino esteve para ser padre. No entanto os namoricos trocaram-lhe as voltas e a vida seguiu outro rumo. Mas o destino voltou a aproximá-lo da religião. Hoje, aos 47 anos, é presidente da Câmara de Ourém, um concelho ao qual pertence Fátima. Devido ao exercício de cargo, o autarca tem uma relação muito próxima com a igreja. Considera-se um católico praticante, mas não tanto como gostaria. A falta de tempo só lhe permite ir à missa algumas vezes. Entrou para o seminário aos 10 anos de idade, na altura andava na escola primária do Bairro, uma pequena aldeia do concelho, onde ainda hoje reside. “Lembro-me que apareceu na escola um padre a perguntar quem é que tinha jeito para jogar futebol. Percebi a deixa e apesar de não ter muito jeito para o desporto pus logo o dedo no ar”, conta David Catarino. Na altura, confessa, não sabia bem se era aquilo que queria. Mas os tempos eram difíceis e pelo menos no seminário podia continuar os estudos. Entrou para o seminário de Fátima. As coisas correram bem até ao segundo ano do ensino preparatório. Como gostava muito de ler livros de cobois deixou os estudos para trás, o que lhe valeu um chumbo a matemática. “Gostava muito de uma colecção desses livros que se chamava “Seis balas”. Li dezenas deles”, lembra. O ódio pela matemática desvaneceu-se no terceiro ano. “Tive como professor dessa disciplina o padre Serafim. Foi ele, com o seu método de ensino atraente, que me incutiu o gosto pela matemática”, recorda. Dois anos depois os namoricos começaram a atacar. Foi apanhado a corresponder-se com uma rapariga, que hoje é a sua esposa. O castigo foi a expulsão do seminário. “Isso trouxe-me muitas complicações. A minha mãe não aceitou muito bem essa situação porque ela queria que eu fosse padre”, conta. Aos 16 anos começou a trabalhar como servente de pedreiro. Antes, aos 14 anos, durante as férias, já tinha experimentado a dureza do trabalho. Andou a trabalhar na construção da Estrada Nacional 349, que liga Torres Novas a Fátima. Tinha por missão andar com uma tábua a proteger a calçada do alcatrão líquido. No fim do dia, quando chegava a casa, tinha o cabelo completamente empastado. Surgiu depois a oportunidade de trabalhar num escritório em Minde. Ao mesmo tempo começou a estudar em casa e fez o exame do antigo quinto ano no Liceu de Leiria. Inscreveu-se depois do curso do Magistério Primário no Colégio Andrade Corvo, em Torres Novas. Sem transportes, deslocava-se todos os dias de bicicleta. Tinha que se levantar às seis e meia da manhã para pedalar 15 quilómetros até à escola. Após concluir o curso começou a trabalhar na escola de Urqueira e dava também aulas na tele-escola de Matas (Torres Novas). Ao mesmo tempo fez a licenciatura em Filologia Românica em Lisboa. Apesar das dificuldades que teve que passar ao logo deste tempo, David Catarino tem orgulho da sua juventude. O autarca fala pausadamente e transmite uma sensação de paz. Conta que em criança chegou a acompanhar o pai, um pastor que percorria a serra com as suas cabras. À custa disso aprendeu a respeitar a natureza e só tem pena de agora não ter tempo de dar uns passeios pelas zonas que conhecia tão bem. A sua entrada para a política deveu-se à luta que travou pela melhoria das condições de vida da sua terra. “Andei às voltas com outras pessoas para conseguir a luz eléctrica e a ampliação do cemitério da aldeia. Devido a isso, convidaram-me para entrar nas listas do PSD para a assembleia de freguesia de Nossa Senhora das Misericórdia”. Corria o ano de 1976, o ano em que também se casou.Um dos seus principais problemas é o “stress”, com o qual tem dificuldade em lidar. Isso deve-se ao facto de não ser uma pessoa expansiva e de interiorizar muito os problemas. “Sei que se conseguisse desabafar mais seria melhor”, reconhece. Como não pratica actividades desportivas, o remédio para o stress são os comprimidos. Houve um período em que andava tão cansado que o médico diagnosticou-lhe arritmias. Pensou que tinha problemas graves de coração, mas, como costuma dizer “era dez por cento de doença e 90 por cento de cagaço”. Gosta de viajar, mas os aviões não lhe inspiram muita confiança. “Não deixo de fazer uma viagem por causa disso, mas confesso que quando o avião aterra é um grande alívio”, desabafa, acrescentando que dos países que já visitou gostou da Áustria e da Turquia. Para além disso é uma pessoa caseira. Quando pode gosta de ficar um fim-de-semana em casa a dormir, a ler ou a ver televisão. Tem dificuldade em lidar com a incompreensão por parte das outras pessoas. Dificilmente se irrita, “apesar de algumas pessoas tentarem”. Gosta de um bom cozido à portuguesa, acompanhado com “um tinto feito de uvas”. O seu maior desejo é ser feliz e fazer os outros felizes. Se pudesse gostava de encontrar um mecanismo para acabar com a pobreza. O pior que lhe aconteceu na vida foi a morte de duas filhas. Uma logo após o nascimento e a outra com um ano e meio. Duas situações dramáticas que o afectaram para toda a vida. “Pior que tudo é a sensação de impotência”, desabafa.António Palmeiro
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