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Variações da alma portuguesa

Cristina Branco, cantora de Almeirim e do Mundo

Cristina Branco não canta fado, canta...Cristina Branco. A definição é da própria. No ventre traz o primeiro filho. Na garganta transporta uma variação muito própria da alma portuguesa. Diferente de Amália, de Teresa Salgueiro, de qualquer outra cantora. Cantadeira. Desbravar caminhos é o seu caminho, a sua filosofia de vida, a argamassa de uma carreira artística que começou fora de portas e se espalha ao vento pelos palcos do Mundo.

Um disco de Amália Rodrigues, oferecido pelo avô, aproximou-a do fado. Cristina Branco tinha na altura 18 anos e não imaginava que quatro anos depois pisaria um palco pela primeira vez. Até então as únicas referências musicais que tinha eram dos grupos que estavam na moda. Ouvia U2 e Pink Floyd, mas também gostava de jazz, música francesa e brasileira. Da música portuguesa apenas conhecia os cantores de intervenção, como Zeca Afonso, Sérgio Godinho e Adriano Correia de Oliveira. Hoje, com trinta anos e uma carreira de sucesso, recorda com ternura o episódio que marcou toda a sua vida.A primeira vez de Cristina Branco foi em 1996, numa noite de fados em Benfica do Ribatejo, Almeirim, onde foi por insistência de uma amiga. Durante o espectáculo convidaram-na para cantar. Recusou, porque até então só tinha cantado na brincadeira, entre amigos, e porque de fado não sabia nada. Perante a insistência, impulsionada pelo “som das guitarras” subiu ao palco para cantar um bocadinho de uma cantiga dos Madredeus. “Os guitarristas não estavam familiarizados com aquele tipo de música e fiquei a meio”.Ficou a meio a canção mas nasceu ali uma carreira. Cumpriu-se mais uma vez o verso do conhecido poema: “O meu destino é ser fado”. Um dos músicos presentes no espectáculo rendeu-se às suas qualidades vocais e apresentou-a a uma professora de canto lírico com quem acaba por ter aulas. Só que a música clássica não lhe dizia muito. Um mês depois da primeira experiência de palco o irmão leva-a a uma noite de fados em Almeirim para conhecer o guitarrista Custódio Castelo, que actualmente é seu marido. É ele que acaba por a lançar no mundo da música. “Ele disse que achava piada à minha voz e que tinha uma série de músicas na gaveta que se enquadravam no meu estilo, porque não tinha referências de fado e era permeável a vários estilos e interpretações musicais”. Cristina Branco aceita aprender as músicas de Custódio Castelo. Em Abril de 1997 surge a oportunidade de actuar na Holanda. “Não tinha preparação nenhuma. Nessa altura andava a estudar e a música era apenas um divertimento”, conta.Ensaia o repertório em 15 dias e, decidida, embarca para o seu primeiro espectáculo a sério. “Ia mais pelo espírito da descoberta”, confessa. O mais difícil foi enfrentar o público. E continua a ser. Chegou a tomar calmantes antes dos espectáculos. Ainda hoje exige que não haja luz na parte da assistência. “Só nas duas últimas músicas é que podem acender os projectores do público porque já estou mais calma”, confessa.Depois do espectáculo é convidada para gravar um disco: “Cristina Branco live in Holand”. Pouco tempo depois grava o “Murmúrios”, com músicas de autores que eram a sua referência de sempre, como o Zeca Afonso e o Sérgio Godinho, mais algumas músicas do Custódio Castelo. O disco chega a França e o jornal Le Monde atribui-lhe o prémio de melhor álbum de música tradicional e melhor voz. Estamos em 1998 e a partir daqui dá-se o grande salto na sua carreira.DOS PAÍSES ONDE ACTUAM PRATICAMENTE SÓ CONHECE OS HOTEISCristina Branco, sempre acompanhada por Custódio Castelo, viaja habitualmente por países como França, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, países africanos de língua portuguesa... Mas mal tem tempo para conhecer os monumentos e a cultura desses países. “Se quiser saber quais são os melhores aeroportos e os bons hotéis posso-lhe dizer. Pouco mais.”. Andar de avião é coisa que não lhe agrada muito. O elo de ligação com Portugal são os telefonemas da mãe, que chega a ligar duas vezes por dia. Apesar de estar longe não esquece os amigos, que diz serem poucos. “É difícil fazer amizade comigo porque para isso preciso gostar muito dessa pessoa. Não sou de meios termos”, confessa a cantora com um sorriso sincero e espontâneo.Chega aos locais dos espectáculos com cinco horas de antecedência. Depois dos ensaios faz exercícios de aquecimento de voz, durante uma hora. Nos camarins apenas exige que haja muita água e fruta. Em palco usa vestidos compridos dos costureiros Manuel Alves e José Manuel Gonçalves. O preto é a cor preferida. As calças de ganga marcam o vestuário fora do palco, mesmo em festas. Odeia maquilhagem, mas usa-a nos espectáculos “por respeito ao público”. À voz cristalina associa a plasticidade dos gestos. Da postura. Sente-se que Cristina Branco põe toda a alma no que canta. Nada é ensaiado, explica. E não aceita bem o rótulo de fadista. “Não há uma definição para a minha música. Por agora chamo-lhe a música da Cristina Branco. É como a bossa nova, quando apareceu, não tinha um nome”. “POEMAS DE GAVETA”Os tempos livres são ocupados a ler e a ver filmes. Gosta de cozinhar, sobretudo experimentar pratos novos. Ouve música, mas raramente põe a tocar os seus discos. Escuta sobretudo outros estilos que podem influenciar o seu estilo. Neste momento anda a ouvir tangos. Confessa que também gosta de escrever o que designa por “poemas de gaveta”. Poucos os conhecem até porque, diz, são muito directos e reflectem a sua visão da vida e do mundo. Para o futuro o principal desejo é continuar a melhorar o que faz. Não se vê a cantar num grupo tipo Madredeus, porque não gosta de obedecer às regras de um grupo e porque tem uma grande amizade com os músicos que a acompanham. Sonhos pessoais há muitos, mas não gosta de os partilhar. Apenas um deles é visível e vai concretizar-se dentro de dois meses. O nascimento do primeiro filho. António Palmeiro

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