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O antropólogo é alguém que se espanta

Luís Batalha estuda as tradições das gentes de Coruche

Luís Batalha, 23 anos, é o antropólogo do Museu Municipal de Coruche. No dia a dia parte à descoberta de tradições, hábitos e profissões em vias de extinção. O mais recente achado foi um taberneiro que doou o espólio ao museu da vila. O antropólogo – um ser curioso, que gosta de se espantar – tem que observar, registar e interpretar. Recolhe testemunhos, reúne artefactos e preserva as marcas de um passado que é ainda presente.

Antes de sair do Museu Municipal de Coruche para iniciar o trabalho de campo, Luís Batalha, 23 anos, pega no gravador, máquina fotográfica e no bloco de notas. São estas as ferramentas que o antropólogo usa no dia a dia para registar os dados sobre profissões antigas da vila.O antropólogo está a trabalhar na recolha de testemunhos e artefactos de pessoas que tiveram ofícios que já não existem em Coruche. É o caso do taberneiro que doou parte do espólio da taberna ao museu. “Cabe ao antropólogo fazer o estudo da colecção, o inventário com uma ficha de registo para cada uma das peças, fotografar, medir e falar um pouco sobre cada um dos objectos. E depois conseguir transportar o estudo das peças para o estudo da profissão. As histórias que envolvem não só as peças, mas o meio onde estão inseridas”, explica Luís Batalha, antropólogo do Museu Municipal de Coruche, onde trabalha há cinco meses.Na investigação etnográfica a antiguidade não é o que mais importa. Ao contrário do que acontece noutras ciências, o presente pode ser objecto de estudo. A taberna esteve aberta até 1996, mas nem por isso as peças recentes deixaram de ser analisadas. É à volta do ofício de taberneiro que irá girar uma exposição sobre profissões que será organizada pelo museu no próximo ano.O trabalho do antropólogo é sobretudo de observação. “O antropólogo é um curioso. É uma pessoa que gosta de observar, de se espantar, que fica admirada com o que é diferente. Esta é uma das características que ficou da antropologia mais clássica”.O antropólogo tem também que registar através do olhar e depois interpretar. “É uma disciplina participativa em que o investigador participa do próprio acto do objecto e depois escreve sobre ele. Sobre tudo o que vê”. Hoje em dia não se escreve apenas sobre o que se vê. Existe um grande desenvolvimento da antropologia visual e o fundamental é registar o maior número de maneiras possível. Não só através da gravação, mas do registo vídeo. “É um dos nossos principais cavalos de batalha: tentar constituir uma pequena videoteca com filmes documentais de três a oito minutos em que fiquem registados pequenos marcos destas profissões”.A actividade do antropólogo passa pelo registo de hábitos, tradições, profissões em desaparecimento, debruçando-se sobre especificidades culturais do território. Implica o registo, inventariação e estudo de problemas relacionados com a cultura. Está muito ligada à etnografia. “Para além de todo o trabalho burocrático, aquilo que o antropólogo faz na área da investigação tem que ver com as questões de identidade da zona”.Uma boa parte das pessoas tem dificuldade em perceber o que faz um antropólogo. Luís batalha explica que actualmente a antropologia já não é associada apenas ao estudo do exótico e está mais próxima da sociologia. A antropologia não era uma ciência muito divulgada em Coruche, mas a pouco e pouco o jovem tem conseguido sensibilizar a comunidade para o trabalho que exige um grande contacto com a população. “Tentamos localizar algumas pessoas, darmo-nos com elas e ir conseguindo no dia a dia algumas informações. Como estamos num meio pequeno há a vantagem de ter uma rede de relações muito curtas”.A figura do antropólogo existe formalmente como profissão apenas desde o ano passado. A remuneração é semelhante à dos técnicos superiores. O horário de trabalho estipulado é semelhante ao da função pública, mas Luís Batalha sabe por experiência própria que o trabalho antropológico não tem horas de saída ou entrada.“Antes de vir trabalhar para o Museu já tinha desenvolvido em Coruche um outro trabalho de recolha etnográfica para uma exposição e muitas vezes saía às 21h00. Começava às 9h00, trabalhava aos sábados e domingos e muitas vezes não almoçava”.Durante a semana Luís Batalha vive em Coruche e ao fim de semana regressa a Almada. O distanciamento permite-lhe atingir mais facilmente a objectividade. A investigação de fundo é a parte da antropologia que mais lhe agrada, mas o trabalho em museologia também o preenche. “Dá-me gozo olhar para as reservas do museu e saber que estamos a ajudar a preservar o património. E ter uma senhora de 60 anos que vai ao centro de saúde e que passa pelo museu para nos dar um beijinho e contar como vão as coisas...”.Ana Santiago

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