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Valverde sem gente e a cair aos bocados

No centro histórico de Torres Novas
Em pleno centro histórico de Torres Novas as ruas estão vazias. O retrato é comum a muitas outras terras. Bairros como Valverde, no coração da cidade, e São Pedro, à entrada da zona velha da cidade, são vítimas de um fenómeno que empurra as pessoas para as urbanizações periféricas, onde as casas possuem todos os requisitos de conforto. Por essas bandas restam os velhos. E quando esses se forem? “Querem conservar o bairro como uma zona antiga, mas até o marco do correio nos levaram. Quando morrerem os que cá estão, que já são poucos e velhos, isto fica deserto”, lamenta Joaquim Figueiredo, dono de um dos poucos estabelecimentos comerciais da zona de Valverde.É o velho problema: os centros históricos conservam a beleza das ruas estreitas, dos prédios com janelas, portas e varandas características, mas são, por norma, pouco cuidados. Os senhorios queixam-se das rendas baixas, os inquilinos não têm posses para fazer obras e as autarquias não têm meios para actuar.“Moro aqui há 39 anos e isto tem sido uma miséria”, diz uma das resistentes de Valverde, que não quis continuar. O almoço estava à espera, o tempo era pouco e só de pensar que estava a falar para os jornais ficou com os nervos à flor da pele: “Olhe, dantes havia aqui muita gente, agora uns morreram, outros mudaram de casa, não há quase ninguém”.As ruas de um único sentido são utilizadas sobretudo pelos carros que descem da zona alta. A paisagem tem pouco para ver. Muitas das casas estão abandonadas, ameaçam ruir. São fruto de heranças antigas e de muitos herdeiros que nem sempre se entendem. Os processos em tribunal arrastam-se, ninguém sabe quem é dono de quê. Entretanto, o casario degradado, que por vezes serve de refúgio a marginais, coloca em perigo os poucos habitantes que moram na vizinhança. Os estabelecimentos comerciais são raros e quase todas as pequenas oficinas já desapareceram. Joaquim Figueiredo é um dos poucos resistentes em Valverde. Abriu o negócio de electrodomésticos e venda de gás há 8 anos e nem tudo corre da melhor maneira: “Num bairro destes é difícil, mas também é verdade que está mal por todo o lado. O gás vai ajudando, aqui as pessoas não têm de esperar um dia para lhe levarem a botija, têm-na na hora”.Mas há oito anos a situação era um pouco melhor. “O bairro tem-se degradado a pouco e pouco, são quase só viúvas que moram por aqui. Há dez ou doze mulheres e só dois ou três homens”.E é precisamente uma mulher que dá a próxima opinião. “Gosto muito de viver aqui”, atalha Preciosa Pereira, vizinha da frente de Joaquim Figueiredo: “É muito sossegado”. Preciosa é inquilina, mas porque gostava tanto da casinha de rés-de-chão de divisões pequenas e meia-porta, mandou arranjá-la: “Morava lá mais acima e quando passava por aqui dizia sempre esta casa ainda há-de ser para mim”. Soube quem era o dono, propôs-lhe o negócio e meteu mãos à obra. Houvesse mais gente dessa fibra e a desertificação das zonas antigas não seria o cancro que é. “Mandei pintar, consertar tudo e quando viram como a casa estava a ficar perguntavam se era para alugar. Nessa altura dizia-lhes: ‘Não! É para mim!’. Dantes ninguém a queria arranjar. Tinha os vidros partidos, eram só gatos e cães...”.Na rua, prédios conservados ficam paredes meias com outros que mais dia menos dia vêm abaixo: “Nesta rua o que desfeia são esses aí que estão abandonados. Já tenho dito às minhas vizinhas que se vem um Inverno com grandes ventanias e chuvadas cai tudo para o chão”.Para Joaquim Figueiredo, o bar nocturno que existia numa esquina mais à frente dava vida ao bairro e até alguma segurança: “Havia movimento durante a noite, mas houve pessoas que se queixaram e tiveram de fechar. Na semana a seguir, e isto passou-se há cerca de mês e meio, houve três assaltos. O movimento ajudava à segurança”. “Eu não tenho medo”, intromete-se Preciosa: “Gosto de estar na minha casa com o meu sossego. Está tudo arranjadinho e aqui as pessoas são velhinhas, mas tentam arranjar as suas casas. O pior é quando elas morrerem... Já ninguém quer vir para cá, gostam de casas mais modernas, onde é só preciso passar o pano”.

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