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Acidente de trabalho: Descaracterização

Paulo Ferreira Mendes *

Ao tempo em que ocorreu o acidente de trabalho a que se refere o caso hoje trazido a esta coluna, estabelecia a base VI, n.º 1, b) da Lei n.º 2127, de 3/8/65, lei então vigente nesta matéria, que «não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima».

Tal situação era então prevista como uma das de descaracterização do acidente de trabalho, situações que não dão direito, ao trabalhador sinistrado, a qualquer reparação. Na legislação presentemente em vigor ( Lei 100/97) prevê-se que «não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado». A reparação do acidente de trabalho ao trabalhador sinistrado compreendia e compreende, nos termos da legislação atrás referida, as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e outras necessárias à recuperação da saúde do sinistrado e deste para a vida activa. Nela cabem também, prestações em dinheiro correspondentes a indemnizações e ou pensões a serem atribuídas ao sinistrado ou a seus familiares, bem como outros subsídios e despesas, como as de funeral em caso de morte. O acidente ora em questão foi sofrido pelo Eufrásio, trabalhador da firma Transportes Ideais. Sucedeu, no dia do acidente, que o Eufrásio se deslocou de sua casa para o local de trabalho numa sua bicicleta motorizada, por nesse dia haver greve dos caminhos de ferro que o impedia de, como habitualmente, apanhar o combóio para fazer aquela deslocação. Na versão apresentada pelo trabalhador, a dada altura, quando estava já próximo do local de trabalho, caiu da bicicleta, o que lhe causou fractura da coxa e do pé direito. Posteriormente, foi o sinistrado submetido a tratamentos imediatos no Hospital e mais tarde a prolongadas sessões de fisioterapia, tendo-lhe sido feitas radiografias e receitados medicamentos. Durante cerca de dois anos esteve o Eufrásio afectado de incapacidade temporária, inicialmente absoluta e depois parcial, até que tendo-lhe sido dada alta, lhe foi atribuída Incapacidade Permanente Parcial de 25%. Feita tentativa de conciliação no Tribunal do Trabalho, no âmbito do respectivo processo por acidente de trabalho, a companhia de seguros para a qual a entidade patronal havia transferido a responsabilidade pelo acidente recusou conciliar-se, alegando que o acidente não se poderia qualificar como de trabalho. Assim, o processo seguiu os seguintes termos até final, tendo o sinistrado pedido a condenação da seguradora no pagamento a ele de indemnização e de pensão anual e vitalícia de acordo com a sua Incapacidade Permanente. A ré seguradora contestou, alegando que o sinistrado fora o exclusivo, indesculpável e grave culpado do acidente em questão. E isto porque seguia atrás de um automóvel, sem manter a necessária distância de segurança, o que levou a que em altura em que o automóvel abrandou o andamento tivesse tido que sair para fora de mão e embatido em veículo que seguia em sentido contrário. Levada a cabo a audiência de julgamento, o Tribunal deu como provado que o Eufrásio, aquando do acidente, seguia a cerca de 5 metros do ligeiro de mercadorias que o precedia no mesmo sentido, que quando aquele ligeiro travou numa curva o Eufrásio, para evitar embater na traseira daquele, invadiu a mão contrária, tentando ultrapassar o ligeiro de mercadorias, que o fez sem atenção ao trânsito que seguia em sentido contrário e que tal provocou o embate, ainda que de raspão, numa viatura que seguia no sentido oposto ao do sinistrado e assim o acidente. Para a 1.ª instância tratava-se indubitavelmente da situação de descaracterização do acidente acima referenciada (acidente exclusivamente devido a falta grave e indesculpável da vítima), pelo que foi julgada improcedente a acção intentada pelo Eufrásio. O trabalhador, inconformado, veio a recorrer daquela sentença para a competente Relação. No entanto, nesta entendeu-se que o acidente se devera claramente a infracções ao Código da Estrada, a saber, desrespeito da distância mínima de segurança face ao veículo que o precedia e ultrapassagem sem a necessária atenção ao trânsito que seguia em sentido contrário. A Relação entendeu assim, à semelhança da 1.ª Instância, que o acidente se mostrava descaracterizado e que o Eufrásio não tinha direito a qualquer reparação, considerando que a norma em questão era plenamente justificada para tornar os trabalhadores diligentes no exercício das suas actividades. Confirmada foi, pois,a sentença da 1.ª Instância.*Advogado

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