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Alta velocidade ou nem tanto...

Nelson Baltazar*

“O Ministro das Obras Públicas afirmou em Julho que a solução TGV seria a que estava prevista, solução em T. Assim, o troço de ligação a Espanha partiria da linha Lisboa/Porto na proximidade de Tomar. O mesmo Ministro opta agora, sem qualquer repúdio, pela solução em M, mesmo que algumas das pernas do m fiquem para o tal dia de S. Nunca, olhando só para Lisboa. Uma vez mais, Portugal é Lisboa e o resto é paisagem.”

O Ministro Carmona Rodrigues foi à Assembleia da República dar conta das decisões da Cimeira Luso Espanhola que se realizou na Figueira da Foz.Foi nesta Cimeira que se concluiu o memorando de entendimento entre Portugal e Espanha sobre transportes, embora os espanhóis já tudo soubessem há muitos meses e tudo tivessem anunciado com muita antecedência.Assim, tal como Espanha tinha anunciado, a ligação ferroviária a Madrid passará pelo Alentejo, implicando uma nova travessia do Tejo, na proximidade de Lisboa.A opção de alta velocidade anteriormente definida correspondia à ligação entre Lisboa e Porto, com possibilidade de extensão a Vigo e, a meio do percurso, a ligação a Madrid passando por Cáceres. Esta opção, designada como T deitado, foi abandonada porque os interesses espanhóis prevaleceram. A hipótese de colocar Lisboa e Porto à mesma distância tempo de Madrid foi recusada. A solução que permitia colocar o futuro aeroporto da Ota na rota natural do TGV deixou de ter peso na opção estratégica para a alta velocidade.É aqui que recomeça a saga do novo aeroporto de Lisboa e a perda de importância do norte do país na sua ligação a Lisboa e a Madrid.O bom sabor da comida francesa é a proposta do Governo para a alta velocidade, ou seja, o prato é servido com muitos condimentos e pouca comida. Veja-se que, em vez de duas ligações à rede espanhola (rede em T), estão previstas quatro (rede em M). Designo rede em M a que tem quatro ligações a Espanha, agora aprovada na Cimeira, sendo que os troços a construir são os seguintes:· A ligação Porto - Vigo surge como primeira prioridade, para entrar em funcionamento em 2009, servindo essencialmente os interesses de Vigo e os objectivos de rentabilidade da linha TGV espanhola entre Vigo – Madrid. · A ligação Lisboa – Madrid, constitui a segunda prioridade, para funcionar em 2010, que serve a centralidade de Madrid e permite obter financiamentos europeus para a linha Madrid – Badajoz.· A ligação Lisboa – Porto, definida apenas em terceira prioridade, só terá a velocidade alta em 2013, apesar de ter sido anunciada como prioritária e constituir o eixo mais importante para Portugal, servindo 8,5 milhões de utentes.· As linhas Aveiro – Salamanca e Faro – Huelva verão o primeiro comboio em 2015 e em 2018, respectivamente. Ou seja, como o então Deputado Durão Barroso disse em 2001, analisando a opção que agora subscreveu como Primeiro Ministro, “para o dia de S. Nunca à tarde”.O investimento preconizado para esta “ideal” rede ferroviária de alta velocidade é de 12 mil milhões de euros, enquanto que a solução anterior rondaria os 7 mil milhões de euros, servindo plataformas idênticas.Será que esta “opção em M” ao custar quase o dobro da que estava prevista em T, melhora a acessibilidade à Europa? Julgo que não! Será que o adicional de custo não deveria ser reencaminhado para uma mais rápida e efectivamente prioritária execução da linha Lisboa – Porto, para a transformação da rede ferroviária portuguesa em bitola europeia e para melhorar a qualidade e a velocidade de vias ferroviárias de mercadorias? Julgo que sim! Tanto mais que estes projectos também são elegíveis para financiamento comunitário.A primeira aposta séria é manter a prioridade de infraestruturação da linha do norte, de forma a permitir que, em 2006, os comboios pendulares possam circular a 220 Km/h, em vez da velocidade média que agora atingem, os 110 Km/h.Porém, para as regiões da Grande Lisboa e Vale do Tejo, importa reflectir sobre algumas questões:· As opções assumidas por um Governo quase Lisboeta, para além dos interesses maiores de Madrid, têm como objectivo insidioso voltar a deslocar o futuro aeroporto da Ota, para outro lugar.· Estas opções trazem consigo a possibilidade da construção de uma 3ª ponte sobre o Tejo, recolocando a discussão sobre o aeroporto na Ota ou em Rio Frio, tão ao gosto de alguns poderosos financeiros, da Câmara de Lisboa e dos seus autarcas, agora também representados no Governo da República.· O Ministro das Obras Públicas afirmou em Julho que a solução TGV seria a que estava prevista, solução em T. Assim, o troço de ligação a Espanha partiria da linha Lisboa/Porto na proximidade de Tomar. O mesmo Ministro opta agora, sem qualquer repúdio, pela solução em M, mesmo que algumas das pernas do M fiquem para o tal dia de S. Nunca, olhando só para Lisboa. Uma vez mais, Portugal é Lisboa e o resto é paisagem.As estratégias que maximizam os impactos positivos destas decisões, em termos de desenvolvimento regional, são tão válidas no Alentejo como no Vale do Tejo ou no Pinhal Interior. Os factores de arrastamento gerados por estes investimentos no tecido económico das regiões são muito significativos, o que os torna tão apetecíveis.Talvez por isso, este Governo tenha decidido ceder a Espanha e a Lisboa, olhando muito pouco para o interesse de Portugal. A solução em T, que custaria metade do investimento previsto agora, valorizaria o Vale do Tejo e o Pinhal Interior, permitiria um espaço de intermodalidade nessas regiões, afirmaria Portugal como a plataforma atlântica da Península e da Europa.Corremos o sério risco de que a solução alta velocidade em Portugal seja apenas em L (Vigo – Porto – Lisboa – Badajoz – Madrid) durante muito mais de 20 anos.Já me desenganei! Quando eu puder fazer o percurso ferroviário entre Lisboa e Porto em 90 minutos, já serei utente de bilhete reduzido para a terceira idade, que por sinal não se aplica a este tipo de viagens.Paciência portugueses! Há que esperar por melhores dias quer para comboios quer para aviões, mas é importante que todos os que se sentem defraudados o explicitem. É importante explicar que o Óptimo é inimigo do Bom e nós nem o aceitável temos. Estes são os sinais do século XXI, em Portugal.* Deputado do PS pelo Círculo Eleitoral de Santarém

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