Especial 25 de Abril | 20-04-2005 03:33

Morreu a sonhar com a liberdade

Morreu a sonhar com a liberdade

António João Ramalho de Almeida lutou por uma sociedade mais justa durante o regime salazarista e pagou caro por isso. Preso e torturado pela PIDE nunca deixou de acreditar nos seus ideais. Morreu novo, sem tempo para assistir à madrugada libertadora de Abril. O seu nome e o seu exemplo estão perpetuados numa rua de Salvaterra de Magos.

António João Ramalho de Almeida é o homem da resistência anti-fascista de que mais se ouve falar em Salvaterra de Magos. Tal como muitas outras pessoas, este empregado de escritório de profissão sofreu na pele as violentas torturas da polícia política do regime, ficou sem emprego e acabou por suicidar-se, talvez acreditando que essa era a única forma de alcançar a liberdade. Hoje tem o seu nome perpetuado numa rua da vila, para que o seu exemplo não seja esquecido.Tinha apenas oito anos quando perdeu o pai. Quando chegou a altura de cumprir o serviço militar obrigatório, entrou para a Marinha de Guerra Portuguesa, o que lhe permitiu conhecer vários países do mundo, entre os quais os Estados Unidos, a França, a Bélgica e a Inglaterra. O confronto com sociedades onde a democracia estava consolidada despertou ainda mais nele a consciência da situação em que o nosso país se encontrava. Fechado ao exterior, vigiado por uma polícia política e por uma rede de informadores.“O meu tio tinha um comportamento pouco vulgar para a sua época”, refere Manuela Gonçalves, sobrinha do anti-fascista. Ramalho de Almeida escrevia palavras de ordem contra a guerra colonial e contra a pobreza. E isso era proibido. Ramalho de Almeida era um amante da literatura. “Recordo-me, como se fosse hoje, que ele chegou a defender que o clube desportivo tivesse uma biblioteca para que as pessoas fossem livres de ler”. Ele lia muito e emprestava muitos livros.“António Ramalho de Almeida foi muito importante para a minha educação”, refere Manuela Gonçalves. Era um idealista. Acreditava que se podia viver melhor, num mundo mais puro. “Aos13 anos, já me fazia reflectir”. Dizia muitas vezes à sobrinha que não se devem aceitar as coisas só porque elas são moda ou tradição. Quando ele morreu Manuela Gonçalves tinha 19 anos. “Ainda me recordo das mensagens que me chegou a passar”. O seu tio falava muitas vezes em democracia e religião. “Identificava-me muito com o seu pensar e maneira de ser”. As únicas desavenças que tinham, diz em jeito de brincadeira, era o facto de ele ser benfiquista e ela sportinguista. Foi devido a esses ideais de democracia e liberdade que a PIDE o prendeu. Nunca chegou a ser ouvido por nenhum tribunal. “Foi preso em casa da minha avó”. Antes de o levarem para a prisão, tiveram ainda tempo de revistar o seu quarto e apreender um séria de livros. Durante os sete meses que esteve nas prisões de Aljube e Caxias, foi torturado. Além de ter sido violentamente espancado, foi-lhe aplicada a tortura do sono. Contou depois que durante 13 dias não o deixaram dormir. No final desse tempo, já não conseguia distinguir os objectos. “Não conseguia reconhecer uma simples mesa”, refere. A sua irmã, Maria do Céu, tentava visitá-lo todas as semanas na prisão. Mas, apesar de múltiplas tentativas, a PIDE só permitiu que fossem feitas duas visitas. A desculpa era sempre a mesma: o preso não está autorizado a receber visitas.Ao fim de sete longos meses de cativeiro, lá conseguiu que o pusessem em liberdade. Mas a vida tinha-se alterado por completo. Quando António Ramalho de Almeida tentou recuperar o seu emprego no escritório, o patrão disse-lhe que não podia voltar a trabalhar naquela empresa porque tinha sido preso. Talvez nunca se venha a saber, mas deduz-se que as múltiplas torturas sofridas aliadas ao desemprego terão sido o motivo que o levaram ao suicídio, alguns meses depois de ter saído da prisão, em 1963. António João Ramalho de Almeida tinha 31 anos de idade. Manuela Gonçalves garante que um dos seus grandes objectivos é ir à Torre do Tombo consultar os ficheiros da PIDE. Diz que tem esperanças de encontrar mais alguma informação sobre o tio.Além de um livro - Histórias da Resistência em Salvaterra de Magos - onde se relata a sua história de vida, para a memória dos mais novos fica uma rua com o seu nome em Salvaterra de Magos. Local onde ainda existe a casa dos seus pais. Mário Gonçalves

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