As paixões de Manuela Azevedo
Manuela Azevedo recebe-nos na sua casa, a dois passos da movimentada Avenida Almirante Reis, em Lisboa. É dali que continua a mexer os cordelinhos da Associação Casa Memória de Camões em Constância e a fazer tudo o que pode para concretizar o sonho máximo da sua vida: ver pronta a Casa Memória do poeta na vila ribatejana. Uma obra a que meteu mãos há duas décadas.Naquele primeiro andar da Rua Ilha de São Tomé uma mulher frágil de 95 anos – feitos no dia seguinte a esta conversa (31 de Agosto) - ainda fervilha de entusiasmo para superar esse derradeiro desafio. Na pequena sala onde decorre a entrevista respira-se arte, do mobiliário aos quadros expostos na parede. Um retrato seu centra as atenções. As alusões a Camões também são visíveis. Manuela Azevedo senta-se próximo do jornalista, num sofá confortável de três lugares. A sua audição já não é o que era. A visão também não. Já não consegue ler, embora continue a escrever com desenvoltura. Foi o que fez toda a vida, como autora de peças de teatro, como romancista, poeta e, sobretudo, como jornalista que abriu as portas das redacções ao sexo feminino.Nunca casou nem teve filhos. Foi uma opção de quem tinha uma vida profissional e cívica preenchida. Mas teve as suas paixões. Umas físicas outras literárias. Deslumbrou-se com Camilo mas o apelo de Camões foi mais forte. Deixou a meio uma investigação sobre o autor de “Amor de Perdição” e perdeu-se de amores pelo génio de “Os Lusíadas”. A sua memória é prodigiosa, tendo em conta a idade e a quantidade de informação que foi acumulando ao longo dos anos. Foi espectadora privilegiada do século XX desde a primeira República. Nascida em Lisboa em 1911, era estudante do liceu em Viseu quando se deu a implantação do Estado Novo em 28 de Maio de 1926. O golpe que levaria mais tarde Salazar ao poder.Já na altura tinha uma apurada consciência política e não morreu de amores pela nova ordem. Sempre se viu na oposição, de que foi activista dinâmica depois de ter regressado à capital para fazer carreira como jornalista. Foi apoiante das campanhas de Norton de Matos e de Humberto Delgado à Presidência da República. É militante do Partido Socialista praticamente desde a sua fundação. Conviveu com muitos vultos que fizeram a história contemporânea do nosso país, de Mário Soares a Humberto Delgado. Aquilino Ribeiro prefaciou um dos seus livros.Um dia conheceu Constância e redescobriu Camões, começou a aprofundar os conhecimentos sobre a vida e obra do poeta. Apaixonou-se literalmente. E a meio da década de 80, quando se reformou do jornalismo, largou tudo para ir ter com o seu amado. Em Constância, a pequena vila ribatejana que descobriu por acaso e que a acolheu de braços abertos, começou a sua segunda vida. E iniciou a construção da casa que materializa essa paixão e a vai prolongar no tempo.
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