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Bispo de Santarém critica o consumismo desmesurado e o culto da aparência

“Há muita gente que vive da fachada”, diz D. Manuel Pelino em entrevista a OMIRANTE

Bispo de Santarém desde 1998, D. Manuel Pelino Domingues fala dos problemas da sociedade actual, como o viver das aparências que leva ao endividamento das famílias. Critica o facto das escolas não incentivarem as crianças ao trabalho e a terem objectivos na vida. E diz que nunca condenaria uma mulher por abortar.

Na sua mensagem de Ano Novo lança algumas críticas à “preocupação superficial pela fachada exterior de cada um”. O consumismo tem vindo a desvirtuar a quadra natalícia?Desvirtua, mas o consumismo também é necessário para a promoção do desenvolvimento. Se não houver consumo dentro de determinada regra e em equilíbrio não há produção de bens. Noto é que há muita gente que vive da fachada, da aparência, da preocupação pela superfície das coisas. O que leva muitas vezes ao endividamento das famílias. O endividamento é uma preocupação da Igreja?Preocupa-nos o bem da pessoa. Temos de alertar para os riscos de viver na base do politicamente correcto ou do fazer como os outros fazem, sem se ter um projecto de vida.A falta desse projecto de vida afasta as pessoas da Igreja Católica?Da Igreja e não só. Hoje nota-se uma certa falta de consistência de valores na própria educação, nas escolas. Pode aprender-se a ler, mas há falta de incentivo pela vida, pelo trabalho, por ter objectivos claros e metas. De onde surge essa crise de valores?Quiseram desmascarar algum exagero numa tradição demasiado instalada, encontrar caminhos novos, dar espaço à imaginação. Depois as famílias deixaram de se preocupar com a educação. Há um uso e abuso de símbolos como o Pai Natal nas mensagens publicitárias que quase fazem esquecer que se celebra o nascimento de Jesus. A faceta religiosa está a ser abafada gradualmente?O Pai Natal parece que surgiu ligado à Coca-Cola. Mas vinha duma tradição cristã de um bispo que protegia as crianças. Este ano houve grupos sem religião que fizeram uma grande campanha contra os símbolos do Natal porque isso ofendia uma sociedade onde a religião é uma opção. Houve escolas em Espanha que proibiram o presépio. Esses pequenos grupos querem abolir todas as tradições religiosas e, como dizia um jornal espanhol, são os estúpidos sem fronteiras. Porque não sabem raciocinar que toda a educação tem que ter por trás uma cultura e um conjunto de símbolos e de ritos que exprimam valores e uma forma de entender a vida e o Homem. Se rejeitam os símbolos de Natal o que colocam em alternativa: o vazio?Para a Igreja Católica o Pai Natal é um símbolo do Natal?O símbolo do Natal é a representação visível que deu origem a um grande património artístico que é o presépio. É aí que está representado não só o nascimento de Jesus como a vida de gerações.Qual vai ser a sua participação na campanha do referendo sobre a despenalização do aborto?Por convicção apoio a vida. Temos de proteger a mulher e criar condições para poder ser mãe e compreender as que tiveram uma gravidez indesejada. Eu não condenaria mulher nenhuma. A vida é um grande dom e se não procuramos a substituição das gerações não temos futuro. Noutros países em que se facilitou o aborto houve uma diminuição de nascimentos, como a França, onde está agora a promover-se uma cultura pró-vida. Como é que encaixa essa convicção com a pergunta que vai ser feita no referendo sobre o aborto?A pergunta é um pouco ambígua quando se diz que até às dez semanas não é crime, e depois desse tempo é crime. Às dez semanas há médicos que dizem que a vida já está identificada. No mundo em que estamos não podemos destruir a vida. Agora não vou envolver-me directamente na campanha porque isso pertence às famílias. Há algumas circunstâncias em que ache plausível a opção pelo aborto?A Igreja considera que a vida se tem que defender em todos os casos. Não acho justificação para o aborto. Conheço casos de mães que foram aconselhadas a abortar porque o bebé corria risco e hoje são jovens sadios. Faz-me impressão isto, como faz os crimes contra crianças. Neste caso dá impressão que há uma falta de sentimentos humanos. Há uma crise de valores…A crise de valores pode ser geral, mas a destruição de uma vida sobretudo de uma criança com dois anos, por exemplo, já não é só uma perda de valores, mas a degradação de uma pessoa que não tem sentimentos.As paróquias de Santarém têm em curso uma campanha porta a porta para angariar fundos para obras no seu património. A Igreja Católica não tem dinheiro para garantir a preservação dos seus templos?Não podemos custear as obras que são muitas. Há necessidade de renovar o património em algumas paróquias e construir novos espaços e não se pode contar só com o grupo dos que vão à missa. Há os 90 por cento que têm referências católicas, que baptizam os filhos ou casam pela Igreja e temos que pedir ajuda a esses que se sentem identificados com a Igreja e precisam dela em momentos solenes da vida. Também pedimos para a Caritas, que ajuda muita gente que com a burocracia do Estado tem dificuldade em arranjar ajuda numa situação de calamidade. Quem entrega dinheiro para estas obras sociais da Igreja pode ter a garantia que ele chega ao destino. A fama de que a Igreja é rica não tem fundamento?A Igreja é rica em património moral e construído. Mas para renovar o património precisa da ajuda do Estado, que graças a Deus tem colaborado. O estado de degradação a que se deixou chegar o exterior do ginásio do antigo seminário, a Igreja de Santa Iria ou da Alcáçova, só para falar em Santarém, não é um mau exemplo para os fiéis? É. Mas se virmos o conjunto das 111 paróquias da diocese quase todas ou estão em obras ou têm património restaurado. Santarém tem muitas igrejas e algumas não são precisas no quotidiano e por isso deixaram-se degradar. No caso do ginásio chegámos a acordo com a câmara que vai permitir a sua recuperação e dar-lhe uma utilização mais alargada, porque só precisamos daquele espaço em grandes eventos. Tem havido uma atitude positiva da câmara?De um modo geral todas as autarquias têm colaborado. A de Santarém tem propostas mais concretas e avançou com o processo de recuperação da igreja da Piedade que em breve vai avançar.Tem alguma ideia para rentabilizar os espaços da diocese?Temos que ver no futuro a realização de protocolos com outras entidades para utilização dos espaços do seminário que têm uma certa nobreza, com uma grande riqueza histórica e são muito amplos. Para nós nem sempre são necessários e podem ser utilizados dentro do respeito. Ainda se mantém a crise de vocações?Houve uma diminuição grande e agora há uma certa estabilização. Tenho sempre receio que com a diminuição de nascimentos isso também tenha repercussões nos candidatos ao sacerdócio. Este ano vamos ter três novos padres. Normalmente temos um ou dois por ano. Temos actualmente 70 padres para 111 paróquias. Ordenámos diáconos que, não sendo padres, dão uma ajuda substancial e formámos leigos que colaboram activamente de modo que a Igreja não seja só dos padres mas do povo de Deus. As mulheres podem vir a ser sacerdotes?Duvido. Mas no Ribatejo elas têm um papel de primeira importância. Nos serviços das paróquias, na catequese, na economia, na acção caritativa, nos grupos corais, nos leitores, encontramos sempre uma maioria de senhoras.

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