Dois homens dormem num buraco debaixo da ponte em Alverca
Os “Companheiros da Noite” são os únicos amigos dos dois infortunados
Um buraco escuro debaixo de uma ponte de Alverca é a casa de dois homens de origem africana. Cozinham numa fogueira e tomam banho num ribeiro.
Dois homens de origem africana dormem há mais de dois anos debaixo de uma ponte, nos arredores da cidade de Alverca. Cozinham no lume que acendem ao ar livre e pernoitam num buraco escuro, sobre o pavimento, para onde entram a rastejar. “Lá dentro está quentinho”, assegura um dos sem abrigo, João Veiga, 50 anos, carpinteiro de profissão que há muito percorre as oficinas da terra a tentar arranjar emprego. “A ajuda de que preciso é trabalho”, atira assim que alguém se aproxima. Enquanto fala esfrega as mãos sob o calor que emana da fogueira. Um naco de toucinho assa sobre uma grelha rasteira num terreno baldio onde instalaram a cozinha. Dois armários velhos recuperados do lixo e um tampo de madeira improvisam a copa.Passa pouco tempo das onze horas da manhã, mas o almoço está garantido. Uma panela cheia de arroz servirá de acompanhamento. Às vezes é o prato principal. Quando o dia é mais pobre e nada sobra dos restos de supermercado. “Já cheguei a ver o senhor mais velho abeirar-se do canavial e comer folhas de canas”, assegura uma vizinha. Três latas de tinta vazias fazem as vezes dos bancos da cozinha. E há até uma porta que abre e fecha onde guardam os secos. É assim a cozinha. Para quem passa na estrada ali ao lado é apenas um monte de madeira num terreno baldio. O leito dos sem abrigo perde-se na escuridão. Dois colchões e um rádio sem pilhas esconsos num buraco debaixo da ponte. Os dois homens rastejam pelo espaço para conquistar uma noite de sono. Os buracos da toca estão entaipados com pedaços de madeira. Lá dentro tudo é escuridão. Escuridão e os uivos dos carros que rompem o asfalto no andar superior. Um gato é o companheiro fiel dos dois amigos. Solidários na desgraça, unidos como irmãos. Tem um aspecto bem tratado. Tal como os donos. O banho é tomado com a água de um ribeiro. “Lá por se viver na rua não quer dizer que não se tome banho”, asseveram. Eugénio Semedo veste um casaco de cabedal. É provável que muitos transeuntes se tenham com ele cruzado sem adivinhar as condições em que vive. Os “Companheiros da Noite” são os únicos amigos dos dois infortunados. No terreno baldio deixam todos os sábados alimentos.Eugénio Semedo, 68 anos, está em Portugal há mais de 40 anos. Era trabalhador da construção civil. Já viveu numa casa de alvenaria. Na torre 7. No bairro camarário de Vialonga, mas a casa não estava em seu nome e foi obrigado a sair. O passaporte tinha caducado e a situação não era legal, como confirmam os serviços da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. “Além disso, não perfazia ainda um ano que o Sr. Eugénio Semedo vivia com a titular da habitação municipal, factor também impeditivo da mudança da titularidade do fogo”, justifica a autarquia. Com dinheiro emprestado Eugénio Semedo já regularizou a situação. Mostra o documento que comprova que a partir de Janeiro receberá a reforma de uma vida de trabalho – 249 euros. O presidente da Associação de Africanos do Concelho de Vila Franca de Xira, Luís Fernandes, confirma que o cidadão tudo preparado para retornar a Cabo Verde ao abrigo de um programa de retorno voluntário. Mas não quis. Preferiu assegurar a pensão que chegará em Janeiro. Desde aí que as entidades oficiais desconhecem o seu paradeiro. Os bens foram arrecadados no matadouro principal e Eugénio Semedo tomou a rua como casa. Em Janeiro começará a procurar uma habitação e a dignidade perdida. Os serviços desconhecem a situação de João Veiga. Continuará na saga do emprego. As filhas que tem em Setúbal, já tentaram acolhê-lo, mas João Veiga recusa a mão. Prefere esperar para encontrar emprego e garantir a sobrevivência.
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